“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lavar os olhos

     "Campo de Flamingos sem Flamingos", de André Príncipe (2013), é um documentário invulgar, composto visual e sonoramente com atenção e minúcia de modo a captar motivos naturais e humanos precisos e muito bem escolhidos e sobre eles prender o olhar e os sentidos do espectador. 
                    
     Com sensibilidade artística, visual, de fotógrafo que também é, André Príncipe esboça princípios de narrativa que nunca chega a desenvolver, para lhes preferir o contraste o contraste entre o dia e a noite, dos cinco elementos japoneses - Terra, Água, Fogo, Vento e Vazio -, entre o movimento e o estatismo, sobretudo dos animais, em parques naturais portugueses que sabe filmar de modo a mostrar mas também, num diálogo fecundo, interrogar em toda a sua impressionante e intacta beleza. Apanhados pela mesma câmara de filmar, os humanos movem-se de um lado ele também elementar: caçar, matar, festejar, num retrato surpreendente pela sua raridade actual.
       O que sobretudo encanta neste filme rodado em 2011 com uma equipa mínima - Takashi Sugimoto e o próprio realizador na fotografia, Manuel Sá no som - é o sereno e inquieto encontro com a natureza. E é justamente ao mostrar o que, em geral, os outros não mostram que "Campo de Flamingos sem Flamingos" define o seu projecto, certeiramente sustentado em termos cinematográficos e artísticos, no sucesso do qual, ao estabelecer as relações justas em termos documentais, participa a montagem de Sandro Aguilar .  
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      Evitando a narrativa explícita, André Príncipe não se coíbe de incluir um depoimento, dir-se-ia insignificante mas de grande significado no contexto em que surge, sobre a "investigação das abelhas", e de esboçar um breve enredo final que envolve o homem da câmara de filmar e os traços que ele deixa na praia.
     É de saudar vivamente mais este esforço para retirar o cinema português da banalidade do espectáculo fácil, um esforço especialmente notável por se dedicar a um género, o documentário, em crescimento em Portugal. Raras vezes, porém, o propósito artístico, preservando o seu objecto, tem sido conjugado com o documentário com tanta perfeição, pertinência e bom gosto como aqui acontece. No recém reaberto Cinema Ideal até ao próximo dia 26 de Novembro. (A exposição fotográfica do artista vê-la-ei quando puder).

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