"Campo de Flamingos sem Flamingos", de André Príncipe (2013), é um documentário invulgar, composto visual e sonoramente com atenção e minúcia de modo a captar motivos naturais e humanos precisos e muito bem escolhidos e sobre eles prender o olhar e os sentidos do espectador.
Com sensibilidade artística, visual, de fotógrafo que também é, André Príncipe esboça princípios de narrativa que nunca chega a desenvolver, para lhes preferir o contraste o contraste entre o dia e a noite, dos cinco elementos japoneses - Terra, Água, Fogo, Vento e Vazio -, entre o movimento e o estatismo, sobretudo dos animais, em parques naturais portugueses que sabe filmar de modo a mostrar mas também, num diálogo fecundo, interrogar em toda a sua impressionante e intacta beleza. Apanhados pela mesma câmara de filmar, os humanos movem-se de um lado ele também elementar: caçar, matar, festejar, num retrato surpreendente pela sua raridade actual.
O que sobretudo encanta neste filme rodado em 2011 com uma equipa mínima - Takashi Sugimoto e o próprio realizador na fotografia, Manuel Sá no som - é o sereno e inquieto encontro com a natureza. E é justamente ao mostrar o que, em geral, os outros não mostram que "Campo de Flamingos sem Flamingos" define o seu projecto, certeiramente sustentado em termos cinematográficos e artísticos, no sucesso do qual, ao estabelecer as relações justas em termos documentais, participa a montagem de Sandro Aguilar .
Evitando a narrativa explícita, André Príncipe não se coíbe de incluir um depoimento, dir-se-ia insignificante mas de grande significado no contexto em que surge, sobre a "investigação das abelhas", e de esboçar um breve enredo final que envolve o homem da câmara de filmar e os traços que ele deixa na praia.
É de saudar vivamente mais este esforço para retirar o cinema português da banalidade do espectáculo fácil, um esforço especialmente notável por se dedicar a um género, o documentário, em crescimento em Portugal. Raras vezes, porém, o propósito artístico, preservando o seu objecto, tem sido conjugado com o documentário com tanta perfeição, pertinência e bom gosto como aqui acontece. No recém reaberto Cinema Ideal até ao próximo dia 26 de Novembro. (A exposição fotográfica do artista vê-la-ei quando puder).
Sem comentários:
Enviar um comentário