Todos os anos por esta altura, absolutamente arrasado por um ano de trabalho e quase sempre, como este ano mais uma vez acontece, sem a perspectiva de férias decentes, entro numa sala de cinema para ver um filme. Um filme qualquer, apenas mais um filme, novo ou antigo.
Calhou este ano ver "Mr. Holmes", de Bill Condon (2015), uma produção inglesa da BBC que aparentemente não tem nada de novo a acrescentar, mas tem. Num país que se gaba de uma cinefilia intransigente, as produções da BBC não têm boa fama mas, apreciador e conhecedor que sou da literatura policial desde antes do seu início formal com Edgar Allan Poe, não tenho por mim preconceitos desses.
O filme de Bill Condon, de quem conheço apenas "Deuses e Monstros"/"Gods and Monsters" (1998), "Relatório Kinsey"/"Kinsey" (2004) e "O Quinto Poder""/The Fifth Estate" (2013), tem a funcionalidade cinematográfica que seria de esperar mas sobre uma personagem célebre da literatura policial, Sherlock Holmes, surpreendida nos seus 93 anos, quando tenta de memória corrigir a memória do fatídico cronista John Watson sobre o seu "último caso", sucedido 35 anos antes. Com aquele enredar e desenredar da narrativa que, sendo óbvio, se pode tornar irritante, "Mr. Holmes" surpeende pela justeza de tom, pela própria narrativa (baseada na novela de Mitch Cullin "A Slight Trick of the Mind" - edição portuguesa "Sr. Sherlock Holmes", Topseller, 2015) e pelas interpretações, ao confrontar-nos com as memórias do protagonista evocadas para um seu jovem interlocutor e para si próprio.
Ora o caso que motivou o afastamento do célebre detective envolve uma mulher casada, acaba mal e, contrariando a narrativa oficial de Watson, tem implicações pessoais que levam para o outro lado, pessoal, de Sherlock Holmes, sempre equívoco nos livros de Arthur Conan Doyle. E há aí, neste filme, o cruzamento do fracasso, da solidão e da morte, que o torna verdadeiramente interessante, quase comovedor sempre dentro de uma frieza britânica que a interpretação de Ian McKellen, excelente, tempera - ele que fora um admirável James Whale no mencionado filme de 1998.
Com as lberdades temporais tomadas, ainda para mais colocando o protagonista a assistir ao filme a preto e branco da versão oficial daquele caso, se vos disser alguma coisa em termos de cultura geral (eu não acredito numa cultura exclusivamente cinematográfica) vejam este "Mr. Holmes" de Bill Condon sem a histeria do "cinema de autor", embora ele seja, de facto, um bom cineasta, e saiam do torpor de uma produção banal e bocejante como aquela em que estamos maioritariamente mergulhados. E, já agora, leiam os livros de Agatha Christie que estão a ser publicados com o jornal Público, que se contam entre o melhor da literatura do Século XX.
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