Poderá dizer-se para começar que os factos mereciam um filme: em Dezembro de 1977 morre Charles Chaplin na Suiça, onde é enterrado. Pouco depois, o seu caixão com o seu cadáver foi "raptado" do cemitério. Escândalo, mistério.
Baseando-se em factos reais e públicos, o francês Xavier Beauvois, sobretudo conhecido por "Dos Homens e dos Deuses"/"Des hommes et des dieux" (2010), constrói "O Preço da Fama"/"La rançon de la gloire" (2014) com argumento, adaptação e diálogos seus, Benoît Poelvoorde como Eddy Ricaart, Rocshdy Zem como Osman Bricha (os dois "raptores"), fotografia de Caroline Champetier e música de Michel Legrand, enfim, a nata do melhor do cinema francês.
O primeiro, e decisivo, factor de sucesso do filme é a forma como os dois actores principais encarnam os respectivos papéis, no limite entre a irrisão e o burlesco, numa continuação muito bem vista do próprio "raptado enquanto actor". Tudo se joga durante a preparação até à consumação do rapto, após o qual, e enquanto eles fogem, a música de Michel Legrand como que enlouquece. Mas a partir daí o duo mantém-se como tal no mesmo registo, cada um deles com as suas características próprias, durante o confronto com a família do "raptado" a que um dispositivo circense liderado por Rosa/Chiara Mastroianni faz um contraponto muito apropriado.
E a homenagem a Chaplin é tanto mais justa quanto levada para o seu próprio campo expressivo por dois grandes actores, enquanto inclui excertos de pelo menos um filme seu, que o faz aparecer vivo e novo, e a música agarra repetidamente no tema de "As Luzes da Ribalta"/"Limelight" (1952), o que torna este "O Preço de Fama" um filme sobre o próprio cinema, que com um pretexto narrativo minimal continua a ser grande cinema sem qualquer tipo de concessão que lhe seja exterior, contra o negócio baratucho e o espectáculo ocioso em que ele se transformou.
Mesmo que Xavier Beauvois tenha tomado liberdades em relação aos factos e personagens, o seu filme coloca-nos permanentemente do lado dos dois "raptores" como pobres diabos, seres humanos, e esse facto confere-lhe um peso próprio e uma densidade original que fazem contrapeso à fama justa do morto "raptado", muito bem representado pela sua neta Dolores Chaplin. Prolongando a candura que a presença da filha de Osman, Samira/Séli Gmach, inculca desde o início, o final em termos de melodrama e de circo torna-se perfeitamente justificado porque vem dizer que, nos seus dois "raptores", Charlot continua. Mesmo mais, que é preciso continuar a raptá-lo, como na justa imagem pós-genérico final do filme (sobre este grande homem do cinema ver "Génio de Chaplin", de 7 de Fevereiro de 2014, e "Poética de Chaplin", de 28 de Fevereiro de 2014).
Nota
Acaba de sair em português a nova biografia escrita por Peter Ackroyd, "Charlie Chaplin" (Lisboa: Teodolito, 2015), que obviamente aconselho.
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Acaba de sair em português a nova biografia escrita por Peter Ackroyd, "Charlie Chaplin" (Lisboa: Teodolito, 2015), que obviamente aconselho.
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