“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 5 de julho de 2015

Mulher enquanto actriz

    O mais recente filme de Olivier Assayas, "As Nuvens de Sils Maria"/"Clouds of Sils Maria" (2014), é uma obra surpreendente e muito boa tanto em termos narrativos como em termos fílmicos, em que o cineasta se acrescenta a si próprio enquanto continua a demarcar um perrcurso pessoal muito bom e extremamente interessante..
                  
    Definidamente centrado numa actriz, Maria Enders/Juliette Binoche, que 20 anos depois regressa ao mesmo texto teatral para representar, já não a personagem mais nova, mas a personagem mais velha, muito justamente o filme começa com a morte do autor da peça. Embora ele tenha deixado uma continuação desta, Maria está entregue a si própria para criar uma personagem, Helena, que primitivamente conheceu interpretada por uma outra actriz, já falecida.
     Os ensaios entre ela e a sua assistente, Valentine/Kristen Stewart, que decorrem nos Alpes suíços, permitem-lhe confrontar-se com os seus fantasmas pessoais, nomeadamente os decorrentes do seu próprio envelhecimento a que Juliette Binoche confere a espantosa dignidade da maturidade
                  
     Durante os ensaios, lembrando Ingmar Bergman - "Depois do Ensaio"/"Efter repetitionen", 1984, mas também, e até sobretudo, "A Máscara"/Persona", 1966 (1) - decorre o mais importante de "As Nuvens de Sils Maria", sem embargo do esclarecimento que o epílogo, passado em Londres com a jovem actriz americana que vai interpretar a personagem anterior de Maria, Jo-Ann Ellis/Chloë Grace Moretz, vem trazer: esta nem a mínima pausa de segundos lhe vai permitir à saída de cena. Entretanto, Valentine, talvez o duplo da actriz enquanto jovem, desaparecera sem deixar rasto nem margem de manobra para Maria como actriz e como mulher.
      Com o decisivo contributo de Juliette Binoche numa interpretação excepcional (2), muito bem acompanhada por Kristen Stewart, Olivier Assayas, de novo também argumentista, consegue aqui o feito notável de mostrar as duas faces da mesma personagem, como mulher e como actriz, em função de dois momentos da sua vida distantes no tempo. Quando na actualidade a personagem que interpretara primitivamente lhe é recordada por outra, por outras diferentes dela (sobre Olivier Assayas ver "Outra dimensão", de 19 de Maio de 2014).
                   

      Notas
     (1) Cf. "Conversation avec Bergman", de Olivier Assayas e Stig Björkman (Paris; Éditions de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1990). 
     (2) Esta é a segunda aparicipação da actriz em filmes do cineasta, depois de "Tempos de Verão"/"L'heure d'été" (2008).

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