A aguardada primeira longa-metragem de João Salaviza, "Montanha" (2015), vem confirmar inteiramente o talento já revelado pelo cineasta nas suas três curtas-metragens iniciais. Filmado numa linha que delas provém, com outros desenvolvimentos, este um filme que exige que para falar sobre ele seja inventada uma nova linguagem.
Com uma construção baseada no plano fixo, frequentemente muito próximo das personagens, ele desenvolve-se sem música que não seja a que provém do espaço da diegese, salvo no genérico final, o que reforça a continuidade com os filmes anteriores. Além disso, deles se distingue por um maior recurso aos interiores, embora nos exteriores mantenha o interesse pela arquitectura urbana.
Mostrando uma grande desenvoltura e certeza formal, em "Montanha" João Salaviza recorre a uma panorãmica de 360º num quarto e usa com pertinência deliberada a profundidade de campo em pelo menos dois momentos: quando a mãe/Maria João Pinho se afasta para sacudir um tapete do carro e David/David Mourato se lhe vai juntar, depois nos corredores do hospital onde o avô deste está internado, quando durante uma conversa entre mae e filho um funcionário hospitalar entra por uma porta ao fundo.
Além disto, há a estupenda conversa entre David e a sua directora de turma com esta permanentemente invisível, fora de campo. Depois da cena triangular, a noite entre David e Paula é dada em três planos, mostrando, involuntariamente talvez, que, como escreve Georges Didi-Huberman sobre Jean-Luc Godard, também o contracampo é uma questão de ética (1). As baixas na narrativa são uma mota roubada e disputada com Rafa/Rodrigo Perdigão e o avô de David, num final muito bem construído só com David ao telefone, seguido pela sua conversa com a mãe, que lhe pergunta as horas. "Ainda é cedo. Dorme", responde ele, e o filme acaba.
A exigência de João Salaviza, que vem de trás, leva-o a concentrar-se no seu protagonista, ensimesmado e fechado sobre si e em espaços interiores, dando dele as relações indispensáveis, nomeadamente com o espaço urbano e com os outros, para o compreender no que nas circunstâncias interessa. A partir daí ele exige a atenção e a adesão do espectador sem lhe dar nada mais em troca do que rostos, corpos, palavras e uma narrativa rarificada, reduzida com sabedoria ao osso da adolescência inteira.
Se é certo que tudo é ainda muito rígido, do plano fixo aos jogos com a linguagem cinematográfica, embora sempre jusificado, o povoamento sonoro dos planos em que as coisas acontecem, proveniente do fora de campo, é excelente. Na sua intransigência apaixonada, "Montanha" de João Salaviza é um filme admirável que promete muito ao cumprir aquilo que as suas curtas iniciais anunciavam (ver "Em nome do cinema", de 31 de Maio de 2012).
Notas
(1) Cf. Georges Didi-Huberman, in "L'oeil de l'histoire, 5 - Passés cités par JLG" (Paris: Les Éditions de Minuit, 2015).
Notas
(1) Cf. Georges Didi-Huberman, in "L'oeil de l'histoire, 5 - Passés cités par JLG" (Paris: Les Éditions de Minuit, 2015).
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