No momento em que estavam a decorrer os criminosos e bárbaros atentados em Paris a uma nova e inimaginável escala, estava a ver o filme "Poll", de Chris Kraus (2010), o primeiro que vejo deste novo cineasta alemão.
Trata-se de um filme muito curioso e muito bem feito, com argumento do próprio realizador baseado nas memórias de Oda Schaefer (1900-1988), sua tia-avó, jornalista e escritora. Situado na Estónia, para onde Oda von Siering/Paula Beer vai viver com os pais e o irmão nas vésperas do início da I Guerra Mundial, durante o Verão de 1914, tem a sua narrativa apoiada em dois elementos exteriores: a presença do exército czarista em território estóneo e um anarquista russo fugitivo, Schnaps/Tambet Tuisk que procura abrigo na casa da família.
Adoptando resolutamente o ponto de vista da protagonista, o cineasta dá conta das suas perplexidades perante os conflitos familiares e sociais, bem como perante a presença de um desconhecido que, no entanto, é levada a proteger e ajuda a ocultar-se. Misto de estranheza e de recusa, Oda von Siering vai-se apercebendo de que o mundo dos adultos, mesmo o dos da sua idade, não tem nada a ver com a aparência tranquila e tranquilizadora que todos fazem questão de ostentar.
Do pai, médico, Ebbo von Siering/Edgar Selge, ela aprende o que se sabe sobre o cérebro humano - e a relação pai-filha está muito bem dada - embora mais tarde venha a ser confrontada com o seu desconhecimento da natureza humana. No final espera-se que tudo vá mudar com o rebentar da guerra, justamente quando Schnaps, o anarquista figitivo, resolve sair de cena.
O que fica depois da morte do que viveu, nas palavras finais da própria Oda, é nada de nada, o que encontra justificação plena na informação do final de que de Oda Schaefer, grande poeta alemã, não existe no momento do filme nenhuma obra disponível. Ficou para ela a memória daquele desconhecido que acolheu, protegeu mas que partiu, deixando-a só para o resto dos seus dias com a ideia da morte a trabalhar como semente nos seus poemas.
Se estivesse em Paris neste dia talvez nunca tivesse assistido a este magnífico filme, que passou esta semana no Arte. Em Paris tenho as minhas mais fortes memórias afectivas e referências culturais, de maneira de que quando lá acontece ir acomete-me sempre o desejo de não regressar aqui. Não sei se lá poderei voltar algum dia, mas em revolta e dor estou de novo plenamente com os parisianses (ver "Je suis Charlie", de 7 de Janeiro de 2015).
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