Depois de uma estreia auspiciosa no cinema independente com "A Estação"/"The Station Agent" (2003) e "O Visitante"/"The Visitor" (2007), na sua quinta longa-metragem, "O Caso Spotlight"/"Spotlight" (2015), o americano Tom McCarthy atinge o formato de produção que o assunto tratado exige e volta a sair-se muito bem (Oscar para o Melhor Filme este ano).
Com recurso a grandes actores, nomeadamente Mark Ruffalo como Mike Rezendes, Michael Keaton como Walter 'Robby' Robinson e Rachel McAdams como Sacha Pfeiffer, o filme reconduz-nos ao inquérito jornalístico do Boston Globe que em 2001 levou à descoberta e exposição de dezenas de casos de pedofilia entre o clero católico da cidade, casos esses que há décadas vinham sendo encobertos pela hierarquia.
Baseado em factos reais, o argumento de Josh Singer e do próprio Tom McCarthy leva-nos aos meandros do caso e ao trabalho persistente dos jornalistas junto das vítimas passadas e de alguns culpados, bem como ao meio judicial, com destaque para aqueles que, como advogados, serviram de mediadores com o Igreja para, com o ajuste de indemnizações, abafarem o assunto.
A realização é sóbria e segura, dir-se-ia que para dar todo o destaque à narrativa (apesar de pelo menos uma citação de "O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane", de Orson Welles,1941), e este "O Caso Spotlight" não deixa de fazer lembrar "Os Homens do Presidente"/"All the President's Men", de Alan J. Pakula (1976), sobre o Caso Watergate. Feita esta comparação, somos remetidos para os chamados "liberais de Hollywood" que, na ressaca do macartismo, tiveram que, a partir dos anos 60 do Século XX, traçar o seu caminho com todas as precauções, que não evitaram que alguns deles tenham sido gravemente penalizados pela indústria, como aconteceu especialmente com Arthur Penn.
Abraçando grandes causas com generosidade, os ditos liberais não deixaram por isso de chegar geralmente depois dos acontecimentos, nomeadamente para denunciarem um complot, como refere Gilles Deleuze no capítulo final de "L'image-mouvement", que comenta que esse foi um projecto estético e mesmo político crítico "...e por isso mesmo menos «perigoso» do que se se exercesse num projecto de criação positivo." (1)
Feita esta observação, que situada no tempo se mantém válida, pelo seu assunto tratado com grande dignidade e pertinência, susceptível mesmo de originar o unanimismo, pela sua rigorosa construção dramática, que nunca abandona a perspectiva da investigação jornalística, e pelos seus excelentes actores "O Caso Spotlight" vem situar-se com destaque num espaço temático pouco frequentado pelo cinema americano, salvo em "Mystic River" de Clint Eastwood (2003).
Nota
(1) Cf. Gilles Deleuze, "L'image-mouvement" (Paris: Les Éditions de Minuit, 1983, Capítulo 12.2).
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