“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 30 de abril de 2016

O sopro do amor

   O conhecido e prestigiado cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul esteve em Lisboa para um seminário do curso de Estudos Artísticos da Universidade Nova de Lisboa que decorreu na Cinemateca Portuguesa, na altura em que estreou em Portugal o seu último filme, "Cemitério do Esplendor"/"Rak ti Khon Kaen"  (2015).
                    'Cemitério do Esplendor'
    Mesmo para quem conheça já o seu sistema cinematográfico, enunciado de forma definida e superior em "O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores"/"Loong Boonmee raleuk chat" (2010), este filme não deixa de constituir uma nova surpresa na obra do cineasta, pois além de numa primeira parte acompanhar a relação de uma vidente, Keng/Jaumipattra Rueangram, e de uma mulher mais velha casada com um americano, Jenjira/jenjira Pongpas, que por sua vez acompanham um militar tailandês hospitalizado com outros por sofrer da "doença do sono", Itt/Banlop Lomnoi, tudo passado num hospital que funciona onde existiu uma escola e detidamente tratado do lado de um outro mundo do espírito e dos espíritos como lhe é habitual, passada já mais de uma hora e o aparecimento das deusas do santuário em carne viva as coisas mudam subitamente.
    Numa sala de cinema passa o trailer de um filme e, uma vez este acabado, perante o ecrã vazio os espectadores levantam-se e ficam de pé frente a ele. Transição para as pás de ventiladores que giram no tecto do hospital e então aí a amiga mais velha, Jenjira, que tem uma perna mais curta do que a outra, aceita o convite da mais nova, Keng, para entrar na mente do doente e ver o que ele vê. Sucede-se o passeio de ambas pela floresta das orquídeas, junto a um rio, em que enquanto nós continuamos a ver a floresta elas vêm um rico e belo palácio que atravessam, descrevem e comentam - nomeadamente o cemitério real que teria existido debaixo do actual hospital.
                    Cemitério do Esplendor, de Apichatpong
    Esta brusca transição, acompanhada no hospital pelo aparecimento das luzes  artificiais contrastadas no seu início e no seu final, está excelentemente concebida, filmada e interpretada, dando-nos o sonho de todos, durante o qual momentos mais ligeiros alternam com outros mais emocionais e é cantada uma bela canção de amor. Findo o passeio ficam ambas sentadas à beira rio e reabrem-se os olhos para a realidade presente. Tudo muito simples e filmado ao nível do sono, do sonho, do pensamento e do amor. O final musical, já utilizado anteriormente pelo cineasta, constitui o único excerto com música do filme.
     O último filme de Apichatpong Weerasethakul que tinha fugazmente estreado em Portugal, "Mekong Hotel " (2012), muito bom embora não nos preparava para esta bela surpresa que "Cemitério do Esplendor" é (ver "A oriente um rio", de 21 de Junho de 2015). Sobre este seu último filme e sobre si próprio, aconselho vivamente a entrevista de Augusto M. Seabra ao cineasta publicada no Ípsilon do jornal Público de ontem, sexta-feira 29 de Abril.
                   
     Se os mortos-vivos deste filme e dos filmes de Apichatpong Weerasethakul estarão ou não próximos dos dos filmes de Pedro Costa é uma questão aí não abordadda que deixo ficar à vossa reflexão.

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