“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sair depressa

     "À Sombra das Mulheres"/"L'Ombre des femmes", o mais recente filme de Philippe Garrel (2015) que agora estreou entre nós, é mais uma obra assombrosa do cineasta sobre uma questão a que já nos habituou: os encontros e desencontros, o desfazer e o refazer de um casal, um homem e uma mulher, com as peripécias de cada um deles com outro parceiro pelo caminho.
                    Film              
     Pierre/Stanislas Merhar é um jovem realizador de cinema que prepara um documentário sobre a Resistência em França durante a II Guerra Mundial com a ajuda de Manon/Clotilde Courau, sua assistente e script, com quem vive. Ele vai encontrar Elisabeth/Lena Paugam - e a própria circunstância em que se encontram, de carregarem bobinas de filmes no Pont d'Alma, dá muito bem conta da clandestinidade resistente do próprio cinema -, com a qual passa a ter encontros clandestinos regulares sem Manon saber, enquanto esta já se encontrava antes com um outro homem, o seu amante/Mounir Margoum, sem que Pierre soubesse.
     Elisabeth descobre-o e revela-o a Pierre, e assim está desencadeado o jogo típico de Philippe Garrel de tentar perceber as mulheres e os homens, um jogo em que filme a filme perde mesmo quando parece ganhar mas de que não desiste - com as mulheres perde-se sempre mesmo quando parece ganhar-se, somos sempre mais o amante que o companheiro fixo, e a escolha pela que está/estava é conformista e conforme, pela "segurança". A voz-off de Louis Garrel, que narra e comenta, está muito bem achada e resolvida, e quanto mais crítico das mulheres melhor Philippe Garrel as escolhe e filma.
                    In The Shadow Of Women
       Filmada a preto e branco por Renato Berta, Paris continua a ser no cinema do cineasta uma cidade de encanto, única, conhecida e misteriosa, a cidade dele, enquanto a participação de Jean-Claude Carrière, Caroline Deruas-Garrel e Arlette Langmann no argumento e nos diálogos com o próprio realizador é tudo menos indiferente, elas as duas provenientes já de filmes anteriores de Garrel e ele, Carrière, certamente com uma palavra a dizer sobre o lado mais venenoso dos diálogos e do filme.
      Deste "À Sombra das Mulheres" filmado em película (35mm) por Philippe Garrel, que é um filme sobre o cinema em que nem o passado do falso herói da Resistência nem o futuro do cinema são certos, deve-se sair depressa, porque algum amigo morto ou alguma mulher amada nos espera e para tentarmos chegar a tempo do próximo filme do cineasta.
                     Photo de Philippe Garrel à propos du  film cinéma Philippe Garrel et publiée le 15 Avr. 2015 à 13:21:14
    Se não tiverem visto ou revisto recentemente "Este Obscuro Objecto do Desejo"/"Cet obscur object du désir", de Luis Buñuel (1977), com argumento de Jean-Claude Carrière baseado em Pierre Louys, vejam ou revejam que percebem melhor este último filme de Philippe Garrel que, noto, há uns cinquenta anos se mantém fiel no cinema ao mesmo tipo feminino (sobre ele ver "Sair devagar", de 4 de Agosto de 2014).

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