“Sombras da Escuridão”/”Dark Shadows”
(2012) é o mais recente filme de um dos mais conhecidos e
destacados realizadores do cinema americano contemporâneo, Tim Burton, que tem deixado de
filme para filme a sua marca em histórias estranhas e personagens bizarras e
fantásticas, definidas por uma diferença que lhes confere um lugar à parte em
cada narrativa fílmica, que desse modo determinam e condicionam.
Partindo
de uma série televisiva dos anos 70,
a figura que “Sombras da Escuridão” desenha na obra
deste artista americano é a do vampiro, Barnabas Collins/Johnny Depp, que, em
tal transformado há dois séculos, regressa inesperadamente em 1972 para o
convívio dos descendentes da sua família, semeando a morte em sua volta e o
espanto e o terror entre os seus. Sendo uma personagem tipicamente
burtoniana, este Barnabas além de lançar a confusão vai ser confundido, ao descobrir no presente as
mulheres que conhecera no passado, Angelique/Eva Green, a bruxa que o tornara
vampiro, sob a forma de Angie, Josette, que por ele morrera, sob a figura de
Victoria/Bella Heathcote.
A
arte superior de Tim Burton passa então por humanizar o temível vampiro contra
uma desumanizada sociedade actual que ele seduz mas o rejeita, mesmo nos seus
esforços de refazer o prestígio e a fortuna da família. E se, depois de
regressado do túmulo onde jazera durante dois séculos, Barnabas se torna um
assassino impiedoso de acordo com a sua vampiresca condição, ele quer apesar
disso impor-se como ser mais humanizado do que aqueles que vai encontrar, cujos
problemas procura resolver – ou agravar, no caso de Angie, a adversária,
perversa concorrente. E quando descobre que quem pretensamente lhe queria
substituir o sangue maligno afinal o sugava, a Dra. Júlia Hoffman/Helen Bonham
Carter, mata-a impiedosamente.
O
filme move-se desde o início num universo gótico, de que parte e que transpõe
para a actualidade, do que resulta um curioso contraste que a antiguidade da
mansão em que vivem os descendentes da família vai tornar maior. Mas percebe-se
também rapidamente que o ponto de partida narrativo limita os objectivos do
cineasta, que noutros filmes terá conseguido contrastar mais e melhor as suas
personagens em diferentes épocas e contextos. Mesmo assim, “Sombras da
Escuridão” surge como um filme à altura do seu criador, que muito
apropriadamente faz com que a cena pretérita do penhasco se repita de forma a que
a fusão dos amantes se consume, dois séculos depois, com a vampirização de
Victoria, enquanto a bruxa morre entregando ao vampiro, que rejeitara no passado
e eroticamente seduzira no presente, um coração intacto retirado de um corpo que
a partir do rosto se desfaz.
Não
creio que este “Sombras de Escuridão” seja, como se tem dito, um Tim Burton
menor, já que com menoridades destas, como artista americano o seu realizador
pode bem, pois lhes confere sempre não um mas vários toques pessoais, desde o
tratamento das cores, pictórico e livre, contra o negrume a preto e branco do
vampiro, como convém, se compreende mas não deixa de surpreender, mesmo se o
filme em vários momentos se aproxima de uma figuração de banda desenhada,
obviamente procurada e conseguida em termos fílmicos. É que o universo de
Burton é sempre, como aqui volta a ser, um universo de fantasia com sabor de
inventiva ilimitada, que leva a que se desfaçam em filme as sugestões feitas em
termos narrativos, que são duplamente confirmadas e negadas por uma subversiva
linha de humor.
Cenograficamente
o filme aguenta-se muito bem no gótico moderno, depois de a introdução do
passado ter sido rapidamente arrumada, e as transições de planos dão-se sempre
em termos espacialmente consistentes e conseguidos, que deixam espaço e tempo a
que cada cena se cumpra até se esgotar. As personagens secundárias não passam
disso mesmo, já que estão ali, como noutros filmes do cineasta, para preencher
uma simples função narrativa e figurativa, o que cumprem como lhes compete e os
actores obrigam. Mas o regresso final da vítima do vampiro lançada para as
águas, voltada para a câmara e a piscar o olho, restabelece o tom de sátira a si
próprio do último filme de Tim Burton.
Não
acrescenta nada de muito significativo à obra dele? Talvez não muito, mas alguma coisa em todo o caso, em termos de erotização, de inventiva das cores e de auto-paródia, embora talvez continuemos
à espera do melhor de Burton que estava em “A Noiva Cadáver”/”Corpse Bride”
(2005) e “Sweeney Todd – O Terrível Barbeiro de Fleet Street”/”Sweeney Todd”
(2007). Não hesito, contudo, no caso deste artista americano em considerar que o pior
filme dele, que nem sequer me parece ser o caso deste “Sombras da Escuridão”,
será sempre preferível ao melhor filme da maioria dos realizadores que são
responsáveis pela maioria da produção cinematográfica hollywoodiana da actualidade.
Mesmo quando ele brinca e se parodia a si próprio, como aqui acontece, deixa
atrás de si o rasto do seu génio pessoal, que lhe é próprio e toca tudo aquilo
que ele faz.
Nota importante
Uma completa exposição "Tim Burton", que mostra a verdadeira dimensão do artista por ir muito para além do cinema, esteve em 2009 no MoMA, em New York, e está neste momento na Cinémathéque Française, em Paris (até 5 de Agosto). Será que coisas como esta, em vez de nos chegarem com a naturalidade que se impõe, vão continuar a funcionar como mais um estímulo para termos o gosto de atravessar fronteiras se quisermos assistir a elas?
Nota importante
Uma completa exposição "Tim Burton", que mostra a verdadeira dimensão do artista por ir muito para além do cinema, esteve em 2009 no MoMA, em New York, e está neste momento na Cinémathéque Française, em Paris (até 5 de Agosto). Será que coisas como esta, em vez de nos chegarem com a naturalidade que se impõe, vão continuar a funcionar como mais um estímulo para termos o gosto de atravessar fronteiras se quisermos assistir a elas?
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