Nascido no Québec, província de expressão francesa do Canadá com uma importante presença no cinema da segunda metade do Século XX (Pierre Perrault, Michel Brault, Gilles Groulx, Claude Jutra, Gilles Carle, Jean-Pierre Lefebvre, Denys Arcand, Arthur Lamothe), Xavier Dolan conseguiu com a sua terceira loga-metragem, "Laurence Para Sempre"/"Laurence Anyways" (2012), ultrapassar o tom de adolescente rebelde e talentoso que marcava os seus dois filmes iniciais, "J'ai tué ma mère" (2009) e "Amores Imaginários"/"Les amours imaginaires" (2010), para construir um filme maduro, tanto narrativa como cinematograficamente. Deixando de lado e para trás "o seu caso", ele consegue aqui, continuando a tratar as questões de sexualidade, objectivá-las de maneira convincente, mantendo intactas as qualidades formais já reveladas.
De novo a partir de argumento seu, o filme trata de um homem casado, Laurence Alia/Melvil Poupaud, que resolve revelar à mulher a sua homossexualidade, a caminho da transexualidade e da mudança de sexo, deixando de parte o trabalho anterior do cineasta de que apenas mantém, até apura a ironia, sem cair no melodrama americano que seria possível imaginar. Para um assunto evidentemente dramático, Xavier Dolan assume a complexidade que ele envolve para complexificar a sua narrativa com mudanças dramáticas e inesperadas, alargando progressivamente um sentido do humor que cria distanciamento mesmo relativamente aos momentos mais intensamente dramáticos.
Claro que este é já um filme muito bom também devido aos seus intérpretes, nomeadamente Melvil Poupaud, que consegue manter a credibilidade do protagonista mesmo nos momentos mais paradoxais e difíceis graças a uma interpretação em retenção controlada que por vezes explode, plena de ambiguidade e de nuances, o que lhe permite manter a hesitação mas também a ironia e até o humor da personagem. Dessa maneira, e também com o abandono do lado mais formalista dos seus dois primeiros filmes, o cineasta constrói uma obra inteligente e comovedora precisamente por jogar contra a emoção mesmo quando a cria, o que o soberbo final vem explicitar.
Há em "Laurence Para Sempre" personagens originais e contrastadas, vivacidade de diálogos, variedade de situações com transições imprevistas, circularidade que não fecha, antes é rompida inesperadamente, o gosto do limite, da mudança e da reacção, sabedoria da vida e do cinema, e desejo de cinema, o que faz deste um filme invulgar e inteligente, pessoal e trabalhado em todos os seus aspectos.
Sem qualquer tipo de concessões, Xavier Dolan mostra aqui não ser um simples cineasta obcecado com uma temática, mas um grande cineasta moderno em construção. Como tal para ele aqui chamo a atenção.
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