“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 10 de agosto de 2013

Viagem de autocarro

     O francês Michel Gondry é ainda hoje sobretudo conhecido por "O Despertar da Mente"/"Eternal Sunshine of the Spotless Mind" (2004), a sua segunda longa-metragem, com argumento de Charlie Kaufman, que para o seu nome chamou a atenção, embora ele sempre se tenha movido preferencialmente no campo da imaginação e da fantasia. A sua mais recente longa-metragem, "A Malta e Eu"/"The We and the I" (2012), decorre no interior de um autocarro que atravessa New York com adolescentes que regressam do seu último dia de aulas, antes das férias, e tira bem partido desse ponto de partida que funciona como dispositivo básico, de que raramente sai.
                     The We and the I
      Com o tom descontraído que adopta, o filme deixa-se ver como um objecto agradável e consciente de si, sobre um tempo de juventude vivido na actualidade. A pouco e pouco vamos identificando cada uma das personagens, com as suas especificidades próprias, e somos levados a aceitá-las assim mesmo, tal como cada uma delas é e se comporta quando em grupo, naquele grupo em concreto, o que as torna específico motivo de interesse.
        O tom descontraído do filme, que inclui flashes do passado, nomeadamente de imagens de telemóvel, dá-lhe um carácter próprio, mas "A Malta e Eu" acaba por incluir um espisódio dramático, que implica gravidade e se insere bem na lógica criada depois do convívio ter mudado de tom com a única saída com regresso do autocarro, permitida por um engarrafamento, e sobretudo com o episódio do par gay desavindo. Também gradualmente, em especial a partir daí cada um vai revelando mais de si próprio, de quem verdadeiramente é, como se este episódio se tornasse contagioso, precedendo as sucessivas saídas do autocarro no destino de cada um.
                     A Malta e Eu
         Michel Gondry faz bem em não adoptar um tom sério e sizudo para tratar de personagens que vivem descomprometidamente a sua juventude, com a ligeireza, a crueldade feliz própria da idade e do meio. De novo com participação no argumento, sem pretenciosismo nem falso moralismo, antes como quem olha com atenção uma realidade que como tal respeita e quer mostrar, com desenvoltura o cineasta faz-nos embarcar nesta viagem de autocarro com as suas personagens e segui-la até ao fim. Não há grandes questões? Não, não há, mas é assim mesmo que se vive naquela idade, se descobre a vida e o mundo, e os actores que se representam a si próprios estão todos muito bem, sempre no tom certo e no registo justo.
                    
       A grande questão de "A Malta e Eu" é o próprio filme, a sua criação e construção, que implica imaginação, esforço e empenhamento pessoal de todos, e conduz a um resultado final coerente e feliz, em que a revelação do Eu do título surge, inesperada, no momento próprio. 

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