“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 21 de setembro de 2013

A criação no cinema

        Foi agora lançado um livro de Pedro Costa, "Casa de Lava - Caderno", com edição Pierre von Kleist editions e data de 2013, que é tão importante como um filme e permite compreender a uma nova luz a obra do cineasta. Há, no cinema português, um mistério Pedro Costa, como há um mistério Manoel de Oliveira, um mistério Paulo Rocha, um mistério António Reis, e este livro é, neste momento e depois da publicação de outras obras sobre o cineasta (ver "Uma excelente notícia", 31 de Janeiro de 2013), decisivo para esclarecer o mistério dele.
       Quem tivesse estado atento, teria percebido logo que "O Sangue" (1989) não era mais uma primeira na longa-metragem de ficção portuguesa. Aí havia já um grande cineasta em embrião, mas um grande cineasta que, em plenitude, se desconhecia ainda. Num país recém-chegado à democracia havia questões a colocar ao optimismo beato dominante, questões de história antiga e recente a colocar no cinema, e foi ele quem primeiro as colocou.
                                    
       "Casa de Lava - Caderno" permite descobrir em Costa o artista na sua acepção clássica, como aquele que se questiona e questiona o mundo em que vive, não o mero espelho reflector de um estado de coisas. Filmado em Cabo-Verde, "Casa de Lava" (1994) foi a sua segunda longa-metragem e é o filme que antecipa, sem ele o saber talvez, a chamada "trilogia das Fontaínhas", que o veio a impor definitivamente como nome maior do cinema contemporâneo. Se há um mistério Pedro Costa ele situa-se aí e este caderno é decisivo para o compreender.
         O inconformismo dele no cinema surge, perfeito e intacto, neste livro, em que, em facsimile do caderno original, em colagens de recortes (de jornal, de postais, de fotografias), ele se explica extensamente sobre as suas perplexidades, a sua consciência dos meios ao seu dispôr e dos seus limites, do mesmo passo que ensaia a colagem como fundamento-base do cinema. Um artista como ele é descobre-se e inventa-se perante a resistência dos meios e materiais que tem ao seu dispor, não perante a facilidade de um argumento ou de um orçamento. Neste livro, que vale um filme, muito mais que um making-of, descobrimos um artista que, confrontado com as dificuldades em prosseguir as filmagens, se interroga perante o seu tempo e interroga a sua arte num tempo concreto e num espaço específico.
                     
       Ora isto é a arte, a grande arte: não seguir ao ritmo e no sentido do tempo, mas questionar-se a si próprio enquanto se questiona o espaço e o tempo em que se vive - e aqui ele vai no sentido do artista renascentista no cinema, que questiona a criação do mundo para por sua vez o criar de novo, o que ele vai fazer na trilogia. É fácil, muito fácil dizer que Pedro Costa é um grande artista contemporãneo, mas o que é preciso é passar por este "Casa de Lava - Caderno", que é acompanhado por uma conversa actual do cineasta com Nuno Crespo e um ensaio de Philippe Azoury, para perceber como ele se auto-engendrou em diálogo com a história, incluindo a do cinema, e em monólogo consigo próprio.

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