Foi
agora lançado um livro de Pedro Costa, "Casa de Lava - Caderno", com edição Pierre von Kleist editions e data de 2013, que é
tão importante como um filme e permite compreender a uma
nova luz a obra do cineasta. Há, no cinema português, um
mistério Pedro Costa, como há um mistério Manoel de Oliveira, um
mistério Paulo Rocha, um mistério António Reis, e este livro é, neste momento e depois da publicação de outras obras sobre o cineasta (ver "Uma excelente notícia", 31 de Janeiro de 2013), decisivo
para esclarecer o mistério dele.
Quem tivesse estado atento, teria percebido logo que "O Sangue" (1989) não
era mais uma primeira na longa-metragem de ficção portuguesa. Aí havia já
um grande cineasta em embrião, mas um grande cineasta que, em plenitude, se desconhecia ainda. Num
país recém-chegado à democracia havia questões a colocar ao optimismo
beato dominante, questões de história antiga e recente a colocar no cinema, e foi ele quem primeiro as
colocou.
"Casa de Lava - Caderno" permite descobrir em Costa o artista na sua
acepção clássica, como aquele que se questiona e questiona o mundo em
que vive, não o mero espelho reflector de um estado de coisas. Filmado em Cabo-Verde, "Casa de
Lava" (1994) foi a sua segunda longa-metragem e é o
filme que antecipa, sem ele o saber talvez, a chamada "trilogia das
Fontaínhas", que o veio a impor definitivamente como nome maior do cinema
contemporâneo. Se há um mistério Pedro Costa ele situa-se aí e este
caderno é decisivo para o compreender.
O inconformismo dele no cinema surge, perfeito e intacto, neste
livro, em que, em facsimile do caderno original, em colagens de recortes (de jornal, de postais, de fotografias), ele se explica extensamente sobre
as suas perplexidades, a sua consciência dos meios ao seu dispôr e
dos seus limites, do mesmo passo que ensaia a colagem como fundamento-base do cinema. Um artista como ele é descobre-se e inventa-se
perante a resistência dos meios e materiais que tem ao seu dispor, não perante a
facilidade de um argumento ou de um orçamento. Neste livro, que vale um filme, muito mais
que um making-of, descobrimos um artista que, confrontado com as dificuldades em prosseguir as filmagens, se interroga perante o seu
tempo e interroga a sua arte num tempo concreto e num espaço
específico.
Ora isto é a arte, a grande arte: não seguir ao ritmo e no sentido do
tempo, mas questionar-se a si próprio enquanto se questiona o espaço e o
tempo em que se vive - e aqui ele vai no sentido do artista renascentista no
cinema, que questiona a criação do mundo para por sua vez o criar de novo, o que ele
vai fazer na trilogia. É
fácil, muito fácil dizer que Pedro Costa é um grande artista
contemporãneo, mas o que é preciso é passar por este "Casa de
Lava - Caderno", que é acompanhado por uma conversa actual do cineasta com Nuno Crespo e um ensaio de Philippe Azoury, para perceber como ele se auto-engendrou em diálogo com a história,
incluindo a do cinema, e em monólogo consigo próprio.
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