A primeira longa-metragem de ficção de um documentarista é, por si mesmo, um acontecimento que merece especial atenção. É o que acontece com "Uma Família Respeitável"/"Yek Khanévadéh-e Mohtaram", do documentarista iraniano Massoud Bakhshi (2012), argumentista e realizador do filme. Pelo-me sempre quando qualquer cineasta comete estas tropelias sobre fronteiras cada vez mais questionadas.
Ficcionalizando um professor universitário que regressa do estrangeiro após 22 anos de ausência, o cineasta baseia-se na sua própria experiência pessoal do seu país para a construção da narrativa, começando pelo fim para a ele regressar conclusivamente no final. Entretanto o filme oferece as peripécias e percalços do protagonista na sua tentativa para sair de novo do Irão, com flashes sobre a infância dele, aquando da revolução iraniana. A maior parte do tempo é dedicada à relação de Arash/Babak Hamidian com a família, em especial com o seu sobrinho Hamed/Mehrdad Sedighian, que com o filme já muito adiantado vem a revelar a sua duplicidade diante de um espelho, em que a sua imagem surge reflectida na sombra, num plano inspirado, muito bom.
O que mais impressiona é a falta de moralidade das personagens num país que diz agir em nome de Deus, do que nos são dadas imagens documentais do início da revolução iraniana e posteriores, o que permite ao filme recapitular a história recente do Irão no tempo de vida do protagonista - e do cineasta. Ali, naquela família respeitável, todos se aproveitam de Arash e da sua situação, que envolve a morte do pai dele. Salva-se a mãe de Arash/Ahu Kheradmand, que não vai em compromissos nem aceita o dinheiro que lhe querem destinar.
Ao narrar uma história baseada na sua experiência da vida Massoud Bakhshi dá conta de um estado de coisas revelador de um jogo mal-intencionado com os laços familiares em favor de propósitos escondidos e de negócios esconsos muito lucrativos. Exemplarmente, no final Arash desaparece e sozinho perde-se no meio da multidão.
"Uma Famía Respeitável" é um trabalho limpo que revela desenvoltura e atenção da parte do seu autor. Desenvoltura pelo muito bom uso que faz da linguagem cinematográfia, nomeadamente com o recurso recorrente e muito apropriado ao fora de campo, como a cena na torre exemplarmente demonstra, e aos flashes do passado. Atenção porque não está com meias medidas ou paliativos, vai direito ao que dói, ao que lhe doeu a ele e a nós nos dói naquela experiência pessoal, tornada relevante ao ser posta em filme de modo que lhe confere um carácter universal - as pessoas no Irão não são, afinal, diferentes do que são no resto do mundo. Os aspectos especificamente iranianos estão muito bem representados, com subtileza e ironia que revelam respeito (não auto-paródia), conferindo realismo aos cenários, às personagens e às situações, que no desenrolar gradual dos acontecimentos se revelam autênticas a nível local, o que permite nelas vislumbrar o universal.
Já aqui escrevi sobre o cinema iraniano ("ver "Uma questão familiar", 5 de Julho de 2012) e este filme vem corroborar que há muito bom cinema num país em situação difícil como o Irão é, um cinema que, movendo-se ao nível de um realismo elementar mas não ingénuo, cumpre com brio o seu papel de revelador crítico de uma sociedade.
Já aqui escrevi sobre o cinema iraniano ("ver "Uma questão familiar", 5 de Julho de 2012) e este filme vem corroborar que há muito bom cinema num país em situação difícil como o Irão é, um cinema que, movendo-se ao nível de um realismo elementar mas não ingénuo, cumpre com brio o seu papel de revelador crítico de uma sociedade.
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