O último filme de Woody Allen, "Blue Jasmine" (2013), é um filme surpreendente sobre mulheres e homens que deslizam na vida, ao sabor do que lhes acontece, que se desenrola em enredar e desenredar até tudo ficar esclarecido e a protagonista, Jasmine/Cate Blanchett, entregue à sua inenarrável e inevitável solidão patética. Começando com a chegada dela a São Francisco, para passar um tempo em casa da irmã, Ginger/Sally Hawkins, o filme acompanha-as às duas por forma a estabelecer contrapontos.
Talvez haja quem ainda identifique Allen com o humor, com a comédia, na qual começou, mas este é um filme em que ele, sem perder o sentido da ironia, constrói um drama forte sobre uma mulher frágil e paradoxal, que foi casada com um homem muito rico, Hal/Alec Baldwin, e acaba na mais desoladora solidão que ela própria contribuiu para criar. Ora aqui, namoriscando o melodrama o cineasta constrói o seu filme no limite entre o drama e o risível, de modo a fazer-nos acreditar nas suas personagens e nas situações que, em novelo, elas vivem, enredadas na vida umas das outras.
Ginger não é uma personagem menos interessante do que Jasmine, apenas não tem as pretensões que esta tem e a marcam, e por isso navega entre diferentes homens, descomprometida mas atenta - e o momento em que ela sabe que Al/Louis C. K. era casado é um esplêndido momento de cinema, dado inteiramente pela expressividade da actriz. Mas ela aguenta, porque, contrariamente a Jasmine, nunca teve sonhos de grandeza. E são os contrastes desta, entre um passado, dado em flash-back muito bem utilizado, e um presente desolador em que ela vai de mal a pior que, com uma marca trágica e uma Cate Blanchett em grande nível em dois tempos de duas vidas diferentes, se impõem e a impõem.
Sem ser um moralista, que nunca foi, este é o filme em que Woody Allen mais se aproxima do grande drama trágico de Charles Chaplin, "Opinião Pública"/"A Woman of Paris" (1923), com um domínio superior do filme, da narrativa, das personagens e dos actores. Sem falsa piedade nem falsa compaixão, em "Blue Jasmine" o cineasta consegue um filme que, sendo diagnóstico de uma sociedade, a enfrenta pelo lado em que ela é mais eloquente: o da fragilidade humana e da tragédia - no final Jasmine faz pensar na Condessa Livia Serpieri/Alida Valli no final de "Sentimento"/"Senso", de Luchino Visconti (1954).
No meio disto, mulheres e homens são joguetes uns dos outros, com o que fazem sofrer mas sofrem eles próprios também. Não há, como não costuma haver nos filmes de Woody Allen, bons e maus - qualquer que seja o nosso juízo sobre elas, todas as personagens deste filme são terrivelmente humanas. Vá, acordem. Este é um grande filme de um grande cineasta que é preciso conhecer e reconhecer (sobre Woody Allen, ver "A perversidade dos jogos", 4 de Março de 2012, "Um americano em Paris", 12 de Agosto de 2012, e "A meio do caminho", 7 de Outubro de 2012).
Sem comentários:
Enviar um comentário