Ao afoitar-se a um filme sobre Roma, "A Grande Beleza"/"La grande bellezza" (2013), o italiano Paolo Sorretino ter-se-á lembrado de Federico Fellini, nomeadamente de "A Doce Vida"/"La dolce vita" (1960) e "Fellini Oito e Meio"/"8 1/2" (1963), o primeiro por causa da própria cidade, o segundo por causa de Jep Gambardella/Toni Servillo, o protagonista do seu filme, um homem de 65 anos que escreveu um único livro quando jovem e depois disso nada mais, secou como escritor.
A ideia é boa e o cineasta, que tem atrás de si uma obra com filmes interessantes, o último dos quais "Este é o Meu Lugar"/"This Must Be the Place" (2011), com Sean Penn, consegue em "A Grande Beleza" acompanhar a sua personagem através da cidade e prender-nos à sua vaga sensação de tédio e de vazio, o que interessa porque Jep se propõe escrever de novo justamente sobre o vazio. Sobretudo na segunda parte do filme somos levados para mais próximo dele de maneira a percebermos o meio em que ele se move e sentirmos melhor o que ele sente.
Simplesmente, Paolo Sorrentino entrega-se a uma maneira fastidiosa de filmar, enfática e grandiosa nos seus rasgados movimentos de câmara para poder estar à altura da cidade e da própria memória do cinema que evoca, o que transforma o filme, em especial quando filma a cidade de Roma, numa espécie de filme turístico de luxo também sobre a memória do cinema que convoca. A tentação era grande, os meios não terão faltado e, na falta de novidade na reinvenção da cidade, os fins podem justificar a aproximação feita.
Sem adiantar grande coisa em termos de cinema, este filme deixa-nos, mesmo assim, a impressão de que Paolo Sorrentino é um cineasta com o qual se pode contar pelo perfeito domínio do espaço, pela capacidade de construção de personagens e ambientes, pela justeza do olhar, entre a crítica implícita e a compreensão declarada.
Descontado o excesso de ambição visual, grandiloquente, em certa medida despropositado e em qualquer caso estéril, "A Grande Beleza" é um bom filme em que o cineasta reafirma que é alguém com quem se deve contar no panorama do actual cinema italiano e europeu. Tanto mais importante quanto mostra uma atracção pela memória, pelo melhor do passado do cinema italiano, para sobre essa memória construir uma obra inequivocamente pessoal, o que deve ser levado em seu favor. E se, para Jep Gambardella, como diz no fim escrever um novo livro é "apenas um truque", ele sem dúvida o escreverá e terá muitos leitores, com a ressalva de que escrever um livro ou fazer um filme não é, salvo em casos marginais, apenas isso, embora por vezes efectivamente se resuma apenas a isso: mais "um truque". Mas isto digo eu, que não sou homem de "truques".
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