Do israelita Ari Folman, autor do apreciado "A Valsa com Bashir"/"Vals Im Bashir" (2008), estreou agora "O Congresso"/"The Congress" (2013), baseado em novela do conhecido escritor polaco de ficção-científica Stanislaw Lem, que combina imagem real e animação de uma forma muito feliz. A ideia de digitalização de um actor, Robin Wright no caso, não tem hoje em dia nada de ficção-científica e está muito bem definida e defendida com a exploração de dois mundos, um real, o outro de fascinante ficção hedonista, dado em animação.
Chamo a atenção para a enorme qualidade do trabalho de animação, mais que perfeito justo e admirável, que em contraste com as espessas imagens reais, sujas no final nos deixa abismados perante o mundo que desenha como nos deixaram fascinados os grandes filmes de ficção-científica desde "Metropolis", de Fritz Lang (1927), que como se viu a seguir não tinha nada de ficção-científica. Justamente, o fascinante mundo paralelo que surge em animação, em que uma ainda bela actriz, vinte anos depois do seu scan entra, com a posterior proposta da sua passagem a uma simples fórmula química, é o mundo em que hoje em dia todos (enfim, nem todos, como muito bem observa o filme) vivemos.
Nestes termos, é pelo rosto real de Robin Wright, de Al/Harvey Keitel e do Dr. Barker/Paul Giamatti que em especial passa o mais significativamente humano deste filme, que joga muito bem com a duplicidade do actor e com a duplicidade da proposta feita a Robin. E quando o comparsa dela no mundo futuro para ela visualiza um sonho, esclarece que aquele não é o sonho dele, enquanto ela não cessa de procurar o filho desaparecido, que dela se desencontra. Com um rigor visual e narrativo admirável, Ari Folman mostra de forma clara o que é ainda o cinema quando se pretende trabalhar sobre as suas próprias cinzas.
Há ainda questões humanas e preocupação com elas no mundo robotizado em que vivemos com o pretexto da liberdade e do livre-arbítrio, ou não somos, continuamos a ser já meros títeres nas mãos dos que nos comandam? Irresistivelmente, pela sua própria conclusão em que a mãe se junta à filha este "O Congresso" fez-me pensar em "Grau de Destruição"/"Fahrenheit 451", de François Truffaut (1966), pois somos convidados a resistir a uma invasão que, com grandes promessas nos excede e, no limite, suprime.
Muito embora possamos compreender o desejo de fazer o scan de outros e até a vontade de domínio, devemos reconhecer que inofensivos não são e por isso mesmo ingénuos não devemos ser. E a música de Michal Englert fica muito bem no filme, enquanto a presença de Danny Huston como Jeff é muito boa e evocativa do seu pai, John Huston (1906-1987).
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