“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 29 de março de 2014

O dinheiro

    "Mata-os Suavemente"/"Killing Them Softly" (2012) é a terceira longa-metragem do neo-zelandês Andrew Dominik, segunda feita na América. Depois de "O Assassínio de Jesse James Pelo Cobarde Robert Ford"/"The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford" (2007), em que recuperava a mitologia do western duma forma feliz, sempre como argumentista e de novo com Brad Pitt o cineasta revisita agora o filme de gangsters e os seus códigos de uma forma convincente.
                     Killing Them Softly 1
      Sendo um filme de acção habilmente construído com grande recurso aos diálogos e aos actores, entre os quais Ray Liotta e James Gandolfini, ambos com imagem de marca no género e o segundo numa das suas últimas interpretações, "Mata-os Suavemente" decorre durante o crash bolsista de Wall Street que em 2008 abalou a América e todo o mundo, e esse pano de fundo não lhe é, de maneira nenhuma indiferente. De facto, o que no filme é encenado mais do que uma luta pelo poder, que também está presente, é uma luta pelo dinheiro, que aliás comenta a outra.
       De Jackie/Brad Pitt a Markie Trattman/Ray Liotta, passando por Mickie/James Gandolfini e pelos comparsas menores que querem crescer, todos se batem por mais alguns dólares, por mais um outro, melhor negócio que signifique mais dinheiro, embora todos, ou quase todos eles tropecem noutros prazeres que, como negócios, lhe estão associados: o jogo, as mulheres, o alcool, as drogas - e desse ponto de vista o filme traça um retrato bastante completo. 
                     killing-them-softly
       Neste submundo já sem lugar para personagens positivas, como passou a acontecer no filme de gangsters a partir da Nova Hollywood, as personagens tipificadas, com os seus códigos mas sem qualquer possibilidade de redenção a não ser através do dinheiro, como no mundo por cima, oficial, nada mais pretendem do que cumprir o que lhes encomendam, ser pagas, continuar vivas e prosseguir. Levada até ao fim, a crítica implícita que se torna explícita mostra-se justa e faz muito pelo interesse do filme. Sem concessões e em obediência a uma lógica implacável, "Mata-os Suavemente" cumpre-se como projecto narrativo e fílmico sem qualquer mácula, embora também sem qualquer surpresa.
   Sem desiludir nem deslumbrar, com o mecanismo narrativo ainda demasiado visível, nomeadamente nos diálogos, mas com gandes actores - o dálogo entre Jackie e Mickie no quarto do hotel está muito bom devido à grande interpretação de Gandolfini -, Andrew Dominik reafirma-se aqui como um cineasta seguro e senhor do seu ofício com que há que contar, tanto mais interessante e promissor quanto continua a trabalhar sobre a memória, o passado do cinema de uma forma desenvolta e muito apropriada, ajustada aos tempos que correm. Por sua vez, Brad Pitt continua aqui a crescer quer como actor, sobretudo do lado da criação e do desenvolvimento de uma mitologia pessoal, quer como produtor inteligente, que "12 Anos Escravo"/"12 Years a Slave", de Steve McQueen (2013), veio confirmar.      

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