Paul Haggis é um bom argumentista, com muito boas provas nomeadamente em filmes de Clint Eastwood. Como realizador de cinema é um homem sério mas que não tem mostrado até agora ideias próprias de cinema em termos visuais e narrativos que não passem da própria evidência do previamente escrito nos seus próprios argumentos.
"Na Terceira Pessoa"/"Third Person" (2013) é um filme com uma ideia invulgarmente boa e com um cast impecável em que o realizador, talvez pela primeira vez, constrói em termos cinematográficos a sua pópria ideia de narrativa, a ficção dentro da ficção de um escritor em crise, Michael/Liam Neeson, entre ele próprio em Paris e o seu duplo em Roma, Scott/Adrien Brody, mais todas as mulheres que cada um deles, mais uma, arrasta consigo: Anna/Olivia Wilde, Theresa/Maria Bello, Julia/Mila Kunis mais a distante Elaine/Kim Bassinger, a única verdadeira.
Compreende-se muito bem a ideia de falso melodrama, que assenta bem ao filme mesmo nos seus excessos telenovelescos, mas a realização de Paul Haggis procede a essa integração em termos felizes e cinematograficamente conseguidos por forma a construir e a pouco e pouco revelar o mistério do filme. A própria música dobra o filme, a ficção dentro da ficção, de modo a prender o espectador aos episódios sentimentais e sentimentalmente banais da forma como o cinema banal costuma fazer.
No actual cinema americano o cineasta ocupava até agora o seu próprio lugar, que "Colisão"/"Crash" (2004) começou a desenhar e "No Vale de Elah"/"In the Valley of Elah" (2007) e "72 Horas"/"The Next Three Days" (2010) definiram. Por mim ele dá em "Na Terceira Pessoa" o passo que lhe faltava para ser um grande cineasta não apenas no panorama americano mas no cinema mundial, ao superar-se como realizador para nesse aspecto se situar ao seu próprio nível como argumentista. Na linha de "Colisão" mas para melhor, mais depurado e espacialmente disperso, mais ligeiro, com a subtileza que até agora lhe faltava.
Dito isto em favor de "Na Terceira Pessoa" e do seu autor, aconselho o filme incondicionalmente aos espectadores mais exigentes. Chegar ao essencial através dos meios mais banais do próprio cinema e da televisão é muito bem visto e está muito bem conseguido. Para os mais conhecedores aqui se reconhece o rasto de "Providence", de Alain Resnais (1976), o que é bom sinal.
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