“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 30 de outubro de 2016

Escavar até ao fundo

     Num panorama cinematográfico pletórico de acontecimentos e iniciativas importantes em Lisboa, optei por um filme do sul-coreano Hong Sang-soo, "A nossa Sunhi"/"Our Sunhi"/"U ri Sunhi" (2013), inédito comercialmente em Portugal, porque é um cineasta que me interessa.
                      Our Sunhi (image 1)
    Trata-se de mais uma surpresa de um dos mais importantes cineastas actuais, um filme com poucas personagens que se vão encontrando sucessivamente umas com as outras nos mesmos locais: Sunhi/Yu-mi Jeong, que estuda cinema, Moon-soo/Sun-kyun Lee, seu antigo namorado que já fez um filme, Choi/Sang Jung Kim, antigo professor deles a quem a primeira pede uma carta de recomendação, e Jae-hak/Jae-yeong Jeong, um amigo comum.
    Tudo gira em volta da protagonista, como é bom de ver. O antigo namorado quer que ela volte para ele, o antigo professor quer que ela o aceite depois de o ter feito redigir uma segunda carta de recomendação (sempre em meia-hora), enquanto o amigo comum serve de ponto de contacto de todos, a quem faz as mesmas recomendações.
                      Our Sunhi (image 2)
    Dito assim parece um filme já conhecido de Hong-Sang-soo mas são as repetições dentro do mesmo filme e as variações em relação a outros que constituem o cerne e o mistério deste "A nossa Sunhi", enquanto o regresso da mesma música acompanha as recorrências da conversa num mesmo local. Embora pareça ser sempre o mesmo filme sobre o mesmo tema, são sempre filmes diferentes que o cineasta faz em volta das suas obsessões pessoais, simples e elementares.
    E o mistério maior continua a ser aqui o estilo seco e consistente do cineasta, centrado em planos longos e fixos, levados até à sua saturação, ao seu limite. E um elegante movimento de câmara, mesmo se longo e até ascendente, permite ocasionalmente manter a lógica do plano-sequência de forma original.
                      Our Sunhi (image 3)
    No fundo o cineasta permanece fiel a dois ou três motivos narrativos, a um ou dois princípios formais, e assim nos vai deslumbrando com os seus filmes, que era importante nos chegassem com maior regularidade e frequência pois ele é o melhor cineasta sul-coreano contemporâneo - sobre ele ver "Pintor de nuvens", 4 de Novembro de 2012, "Três vezes Anne", 10 de Junho de 2013, "O sonho inquieto", de 30 de Abril de 2014, e "De um dia para o outro", de 17 de Janeiro de 2016.      

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