“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Risco assumido

    "Talvez deserto, talvez universo", de Miguel Seabra Lopes e Karen Akerman (2015), é filmado na Unidade de Internamento Forense do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa que funciona no antigo Hospital Júlio de Matos, com homens que sofrem de doenças do foro psíquico que levaram os tribunais a considerá-los inimputáveis.
    Também prisão, este estabelecimento hospitalar faz lembrar o Bridgewater State Hospital de  "Titicut Follies", o mítico e pouco visto filme de estreia de Fred Wiseman (1967), embora a intervenção do cineasta altere os dados do documentário, tornando-o excessivamente interactivo. Eu explico-me.
                    
     No seu citado filme de estreia à semelhança dos seguintes, Wiseman limita-se a observar com a sua câmara o que se passa diante de si, entre os guardas e os internados nesse caso, sem minimamente interferir. Ora neste filme português e brasileiro de Seabra Lopes e Akerman, que remete mesmo explicitamente para aquele precedente, algumas vezes uma voz masculina proveniente do espaço fora de campo dialoga insistentemente com alguns dos internados para os levar a falar.
    Com o seu ar estranhamente fechado, ausente, parado, entorpecido, os doentes aqui em causa, filmados com a maior atenção e o maior respeito pelos cineastas, por si próprios não dizem nada. Na sua aproximação cautelosa, os documentaristas ter-se-ão deparado com os limites do seu trabalho fílmico e, para os exceder, dialogaram pessoal ou vicariamente com alguns dos doentes.
                    Talvez Deserto Talvez Universo : Foto
    O dispositivo de vídeo-vigilância e os  manuscritos mostrados são sem problema e as imagens falam por si. Mas uma vez assumido o risco do diálogo com um interlocutor invisível, o que é em si um mau princípio, o filme lida com o seu resultado, que a meu ver nem sempre é o melhor. Duvido que o que se ganha compense o que se perde. Há casos que, também no cinema, exigem pensar não duas mas várias vezes. 
   Salvo esta objecção, "Talvez deserto, talvez universo" é um bom documentário sobre o mais árido e mudo dos mundos humanos.

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