“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Alto risco

      A terceira longa-metragem realizada pelo actor Ben Affleck, "Argo" (2012), é um bom filme, com o interesse especial de ser baseado em factos reais.
       Sem qualquer pretenciosismo estético, o filme conta da melhor maneira, de forma escorreita e desenvolta, a história que tem a contar, por forma a prender e manter até ao fim o interesse do espectador. Um outro motivo de especial interesse de "Argo" é envolver na sua narrativa a própria indústria do cinema, pois a missão que o protagonista, Tony Mendez/Ben Affleck, tem a cumprir implica fazer passar os seis reféns que vai tentar libertar por uma equipa de filmagens, o que torna o filme uma reflexão sobre o próprio cinema, que se vem juntar à reflexão política sobre a história que ele, mesmo sem forçar, também proporciona, de modo tanto mais interessante e pertinente quanto ela pode ser relacionada com a actualidade.
                       Argo          
          Este é um filme que tem quase tudo aquilo que fez a notoriedade do cinema norte-americano: acção, mas acção controlada, simplicidade de meios, uma intriga que envolve alto risco, a separação clara entre os bons e os maus, sem escamotear as dificuldades que os primeiros têm de enfrentar e vencer do seu próprio lado, a criação de momentos de forte tensão dramática. Com estas características, "Argo" é um bom filme de acção, inteligente e seguro, que não deixa de defender a América e os seus valores de maneira clara e convincente, mesmo sem a presença de um inimigo, de um adversário individualizado na narrativa, o que nas circunstâncias acaba por o beneficiar. Envolvendo Hollywood e o cinema, é um filme sobre a representação, o faz de conta, pois tanto o protagonista como os reféns que ele se encarrega de tentar libertar têm de se fazer passar por outros, por quem não são, para o sucesso da missão, o que constitui um suplementar motivo de interesse. 
                       Argo
           Mas além disso o herói é um homem solitário que, desde o aparecimento da  primeira ideia do plano até ao final da sua execução, vai ter que procurar e encontrar os apoios de que necessita, o que é característico do cinema americano pelo menos desde o western mas é também típico das ficções políticas dos anos 70, o que se torna particularmente interessante visto os acontecimentos de que o filme se ocupa se situarem temporalmente em 1979. O olhar sobre Hollywood é sem contemplações mas também seguro dos verdadeiros valores da amizade e da cooperação, mesmo quando os poderes institucionais falham, e o olhar sobre as instituições não as poupa, como é devido e também típico do filme político dos anos 70.                                                                 
       De resto, o filme tem actores muito bons que actuam sempre no registo certo, particularmente quando ironizam sobre Hollywood - notáveis Alan Arkin como Lester Siegel e John Goodman como John Chambers - e sobre os bastidores das instituições políticas, e é irrepreensível do ponto de vista técnico, com destaque para a fotografia, sempre justa e precisa, de Rodrigo Prieto, a montagem de William Goldenberg, que aumenta a dinâmica e o interesse da narrativa, assegura o ritmo do filme e a melhor resolução dos momentos de maior tensão, e para a música, de Alexandre Desplat, muito apropriada e inteligentemente utilizada
                      Argo
           "Argo" é, pois, um bom filme, perfeitamente à altura da tradição dos clássicos e modernos do cinema americano, e Ben Affleck mostra ser, além de um bom actor - está muito bem como herói tranquilo numa missão muito arriscada -, um bom realizador, com ideias próprias e interessantes. A presença de George Clooney como co-produtor, ao lado do realizador e actor principal e de Grant Heslov, é um elemento não negligenciável, que transmite confiança e garante independência.

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