“O Dia Antes do Fim”/”Margin Call” (2011), a primeira longa-metragem de J. C. Chandor, realizador e argumentista, é
um filme fundamental sobre a eclosão da crise em que a América mergulhou em 2008.
Construído sobre o espaço fechado de uma grande empresa financeira, entre as suas personagens, que em diferentes níveis de responsabilidade e decisão trabalham para ela, vemos chegarem os sinais que anunciam um colapso iminente, assistimos aos esforços para, aos diferentes níveis, lhe fazer frente, às tomadas de decisão, à passagem à execução, tudo perfeitamente orquestrado para que o filme funcione com a precisão de um thriller. Há responsáveis? Há vítimas? Como somos prevenidos em dado momento por uma personagem, "a gente real”, “the real people” está lá fora, e como percebemos bem não há espaço ou lugar para o factor humano - os avisos da aproximação do problema tinham sido feitos e tinham sido ignorados.
Construído sobre o espaço fechado de uma grande empresa financeira, entre as suas personagens, que em diferentes níveis de responsabilidade e decisão trabalham para ela, vemos chegarem os sinais que anunciam um colapso iminente, assistimos aos esforços para, aos diferentes níveis, lhe fazer frente, às tomadas de decisão, à passagem à execução, tudo perfeitamente orquestrado para que o filme funcione com a precisão de um thriller. Há responsáveis? Há vítimas? Como somos prevenidos em dado momento por uma personagem, "a gente real”, “the real people” está lá fora, e como percebemos bem não há espaço ou lugar para o factor humano - os avisos da aproximação do problema tinham sido feitos e tinham sido ignorados.
Tudo
apreciado perante os dados disponíveis, a decisão tem de ser tomada em nome dos
interesses da empresa, sem lugar a outras considerações, por gente que é como
nós, que embora não nos represente é parecida connosco ao ponto de podermos
pensar que, não fossem eles mas outros, não fossem nem uns nem outros mas nós, as
decisões teriam de ser tomadas. Responsáveis? Vítimas? Àquele nível, em que a
crise surgiu e rebentou, a questão é sistémica e repete-se, com maior ou menor
regularidade, com maiores ou menores consequências dentro do sistema.
Eric Dale/Stanley Tucci, que detectou o problema, afasta-se enquanto pode. Sam Rogers/Kevin Spacey, o veterano director executivo, sabe que não pode impedir a máquina de funcionar e quando, no final, tenta sair, não consegue porque precisa do dinheiro. Frio e fleumático, John Tuld/Jeremy Irons toma aquela que considera a melhor decisão e espera ser obedecido. São todos tão sábios, tão senhores das regras e dos mecanismos do sistema, que não têm espaço para protestar, barafustar, opor-se, e é nessa medida que o filme funciona como um thriller: frio e implacável.
Eric Dale/Stanley Tucci, que detectou o problema, afasta-se enquanto pode. Sam Rogers/Kevin Spacey, o veterano director executivo, sabe que não pode impedir a máquina de funcionar e quando, no final, tenta sair, não consegue porque precisa do dinheiro. Frio e fleumático, John Tuld/Jeremy Irons toma aquela que considera a melhor decisão e espera ser obedecido. São todos tão sábios, tão senhores das regras e dos mecanismos do sistema, que não têm espaço para protestar, barafustar, opor-se, e é nessa medida que o filme funciona como um thriller: frio e implacável.
O
factor humano torna-se negligenciável, quantas pessoas vão sofrer com esta
crise também – Eric Dale conta a história da ponte que construiu, quantas
pessoas passaram a poupar quanto tempo por causa dela. Não há, naquele caso, uma obra a mostrar, os números de um lado e
do outro são sempre aleatórios e contabilizáveis de diferentes maneiras. Há
sempre vencedores e vencidos nas crises periódicas do sistema, desde que ele
existe, como John Tuld diz a Sam Rogers.
Todos ganham muito dinheiro, e mais ganharão aqueles que ficaram com a resolução satisfatória do problema, além do que a saída da crise trará muito mais oportunidades. É assim mesmo, como todos sabemos. Ora o mérito do filme está em não procurar escapatórias, desculpas para ninguém, e encarar friamente os homens que friamente se debatem naquele espaço fechado em que, passada uma hora do filme, surge a bandeira americana nas paredes de uma sala de comando.
Todos ganham muito dinheiro, e mais ganharão aqueles que ficaram com a resolução satisfatória do problema, além do que a saída da crise trará muito mais oportunidades. É assim mesmo, como todos sabemos. Ora o mérito do filme está em não procurar escapatórias, desculpas para ninguém, e encarar friamente os homens que friamente se debatem naquele espaço fechado em que, passada uma hora do filme, surge a bandeira americana nas paredes de uma sala de comando.
Assim
vai a América, criando novos problemas para depois os resolver, assim ela faz andar o mundo. Podemos perguntar-nos se o sistema,
o sistema capitalista em que esta crise ocorre, é justo, mas essa é outra
questão. Todos percebemos que, para as personagens do filme, a questão não é
essa, mas sobreviver à crise enfrentando os problemas. São como máquinas que
decidem friamente o que têm a decidir, doa a quem doer, faça as vítimas que
fizer, e J. C. Chandor não faz do seu filme um libelo acusatório, nem contra as
suas personagens nem contra o sistema, preferindo mostrar como este funciona/funcionou
com aquelas personagens, que agem de acordo com os seus próprios interesses e
com os seus próprios códigos de comportamento. E não podemos deixar de admirar lógica, a fria racionalidade que no próprio sistema, apesar de tudo, se esconde e lhe permite funcionar.
O único toque humano é dado pelo final, com Sam Rogers a cavar no jardim da sua ex-mulher a cova em que vai enterrar a sua cadela, o único ser a que estava afectivamente ligado – e Kevin Spacey é de novo extraordinário a interpretar a personagem com um lado mais humanamente reconhecível do filme, ao nível que antes dele era o de Jack Lemmon.
O único toque humano é dado pelo final, com Sam Rogers a cavar no jardim da sua ex-mulher a cova em que vai enterrar a sua cadela, o único ser a que estava afectivamente ligado – e Kevin Spacey é de novo extraordinário a interpretar a personagem com um lado mais humanamente reconhecível do filme, ao nível que antes dele era o de Jack Lemmon.
Claro
que há também os outros filmes, que procuram tratar a crise e os problemas que
dela derivam do lado humano daqueles que com ela mais sofrem, e que são sempre
muito importantes (ver “A tempestade", 24 de
Maio de 2012). Mas ser capaz de fazer este “O Dia Antes do Fim” e ser capaz
de vê-lo friamente, como ele se oferece, é decididamente uma prova de fogo para
o novo cineasta e para o espectador.
Com um justo tratamento do espaço, com a câmara sempre muito próxima dos rostos dos actores, todos eles perfeitos no registo de fria sobriedade e de fria consciência do perigo e da responsabilidade de cada personagem (com fotografia, ela também glacial, de Frank DeMarco), com uma montagem seca e precisa (de Pete Beaudreau) e na quase total ausência de música (de Nathan Larson), este é um excelente primeiro filme que olha de frente o que tem para mostrar, diz o que tem para dizer sem rodeios nem contemplações. A cada um de nós fica atribuído o papel, indeclinável, de julgar os acontecimentos e eu, pelo menos, penso que não devemos alimentar injustificados complexos de superioridade, mas perguntarmo-nos o que faríamos no lugar daquelas personagens. E, claro, devemos também julgar o sistema, acresentando aquilo que cada um de nós dele sabe da sua própria experiência. A tomada de consciência, para que o filme contribui, é muito importante. De resto, o mundo continuou a girar, àquele nível uns ganham e outros perdem, muitos são sacrificados entre "a gente real" mas é sempre preciso continuar, nas condições que existirem, sem esmorecer. E estamos todos tão terrivelmente sós!
Com um justo tratamento do espaço, com a câmara sempre muito próxima dos rostos dos actores, todos eles perfeitos no registo de fria sobriedade e de fria consciência do perigo e da responsabilidade de cada personagem (com fotografia, ela também glacial, de Frank DeMarco), com uma montagem seca e precisa (de Pete Beaudreau) e na quase total ausência de música (de Nathan Larson), este é um excelente primeiro filme que olha de frente o que tem para mostrar, diz o que tem para dizer sem rodeios nem contemplações. A cada um de nós fica atribuído o papel, indeclinável, de julgar os acontecimentos e eu, pelo menos, penso que não devemos alimentar injustificados complexos de superioridade, mas perguntarmo-nos o que faríamos no lugar daquelas personagens. E, claro, devemos também julgar o sistema, acresentando aquilo que cada um de nós dele sabe da sua própria experiência. A tomada de consciência, para que o filme contribui, é muito importante. De resto, o mundo continuou a girar, àquele nível uns ganham e outros perdem, muitos são sacrificados entre "a gente real" mas é sempre preciso continuar, nas condições que existirem, sem esmorecer. E estamos todos tão terrivelmente sós!
Sem comentários:
Enviar um comentário