"Home - Lar Doce Lar" (2008), a longa metragem de estreia da franco-suíça Ursula Meier, era um filme muito auspicioso, por ser construído sobre uma situação invulgar, pelo menos no cinema: a de uma família cuja casa é ameaçada pela construção de uma auto-estrada. Aí essa família, encabeçada por Isabelle Huppert e Olivier Gourmet, era uma família humilde que resistia.
A humildade das personagens transfere-se para a segunda longa-metragem da cineasta, "Irmã"/"L'enfant d'en haut" (2012), de novo com a própria realizadora e Antoine Jaccoud como co-argumentistas, e passa para um pequeno ladrão de uma estância de ski na Suíça, Simon/Kacey Mottet Klein, e para a sua irmã mais velha, Louise/Léa Seydoux, que se prostitui. Construído de maneira muito segura e inteligente, o filme põe-nos do lado dos seus protagonistas e da vida que levam com naturalidade, plena de humanidade e afecto, até ao momento em que a relação entre os dois revela ser diferente do que parecera - por descuido dele.
A partir daí as coisas tornam-se ainda mais quentes e afectuosas entre ambos, levando-nos a compreender melhor o que aconteceu antes, com ele cada vez mais a tomar conta dela, embora vá sendo sucessivamente descoberto o que faz por diferentes lesados - e a presença entre estes de Gillian Anderson e Jean-François Stévenin dá ao filme as asas que sem eles lhe poderiam faltar. O momento em que, depois de descoberto com o seu pequeno cúmplice, Simon parte de regresso à base é verdadeiramente soberbo, com eles a perderem-se no vazio, e é recuperado no final entre ele e Louise, embora de outro ângulo, com a mesma noção da presença do abismo por baixo deles e da curta distância que aí os separa, quando se cruzam em direcções opostas.
"Irmã" é, assim, um filme abissal construído sobre o abismo, com personagens humildes que fazem a sua vida humilde com humildade, sem saberem de outra possibilidade, que efectivamente não têm. Mas mais do que isso, embora pressupondo-o, Ursula Meier sabe manter no seu filme a distância certa e o tom justo, em que o próprio humor impede o miserabilismo ou a lamechice. Não vejo qualquer razão para que quem gosta de "Ladrões de Bicicletas"/"Ladri di biciclette", de Vittorio De Sica (1948), perca este filme ou não goste dele. E eu aqui nem salvaguardo quaisquer distâncias, que a meu ver não existem, e acrescentarei mesmo que se não gostarem a culpa é mesmo vossa, que já secaram, se perdem na contemplação do clássico à distância e não têm olhos para o aqui e agora. As lágrimas de Simon aqui são iguais às de Bruno Ricci/Enzo Staiola ali.
Sem hiperbolizar, o que também não quero fazer, até porque quero guardar todo o espaço para os filmes seguintes de Ursula Meier, penso que estamos perante uma grande cineasta que neste filme confirma ter uma sensibilidade narrativa e cinematográfica própria, um dedo certeiro para a escolha e direcção de actores e uma verdadeira vocação para o cinema - a fotografia, de novo da responsabilidade de Agnès Godard, é muito boa, a música de John Parish é apropriada e a montagem, de novo de Nelly Quettier, justa e precisa. O cinema europeu está vivo e recomenda-se, a questão é que os seus melhores filmes nos cheguem com regularidade e que tenhamos olhos e sensibilidade para eles.
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