"Bestas do Sul Selvagem"/"Beasts of the Southern Wild", a primeira longa-metragem de Behn Zeitlin (2012), é um pequeno filme interessante e promissor que não chega a resolver-se em termos narrativos ou estéticos mas aponta um caminho, o que joga a seu favor. Partindo de uma situação promissora, o desaparecimento da mãe de uma criança, Hushpuppy/Quvenzháne Wallis, quando uma tempestade se apresta para se abater sobre o local onde vive, Bathtub, situado na costa da Louisiana e isolado por uma barragem, no mítico Sul dos Estados Unidos, o filme afirma a sua originalidade por assumir expressamente, desde o início, o ponto de vista da criança, desamparada e progressivamente mais desesperada com a anunciada morte do pai, Wink/Dwight Henry, que, contudo, a tenta industriar no sentido de resistir, de não desesperar e seguir em frente, mesmo sem ele.
A boa intenção é evidente, a referência às histórias americanas de iniciação, segundo o modelo de Mark Twain (Tom Sawyer e Huckleberry Finn), também, o que sempre adianta alguma coisa para quem estiver familiarizado com a história e a cultura, nomeadamente a literatura americana do Século XIX, mas o que torna este filme interessante e promissor também do ponto de vista formal é a desenvoltura com que o novo cineasta se socorre de figuras provadas da linguagem cinematográfica, como o grande-plano e o plano de pormenor, com grande a-propósito, integrando-as numa perspectiva de cinema do corpo que terá recebido de John Cassavetes, de que se diz admirador.
O que para mim faz o fascínio desta mitologia da cultura americana, uma nova mitologia em relação à europeia embora por ela eventualmente influenciada, é o espírito de resistência contra a adversidade desde cedo inculcado. Pessoalmente, sou menos sensível ao lado fantástico e fantasista, tipo "O Feiticeiro de Oz", que aprecio menos, do que a este lado que designarei primitivo americano que provém da literatura do Século XIX e de um espírito de aventura e de resistência, a que chamarei de iniciação desde tenra idade, que em "Bestas do Sul Selvagem" transparece de forma quase inocente, sem prejuízo do fantástico - os auroques.
Além disso, o Sul dos Estados Unidos é a região selvagem e derrotada com dignidade (na Guerra Civil), que mantém e alimenta um espírito de rebelião e de estar para ficar, sem medo nem vergonha, o que os westerns de John Ford deram de forma muito feliz e fundadora. A mãe, mítica, desapareceu, o pai, persistente, subsiste no cumprimento do seu papel, embora vá desaparecer ele também, mas a criança é industriada num espírito de resistência com que faz a sua própria iniciação na vida, como se percorresse o rio Mississippi.
A vida é assim mesmo, uns nascem e crescem, outros partem e morrem, e é na convivência natural, mas também aprendida das leis da vida que todos, americanos ou não, nos formamos e conformamos, pois outra coisa não devemos esperar. Aprender na adversidade e com a adversidade, em perda e sempre resistindo, é a lição simples e elementar deste pequeno filme agradável e promissor com que um novo cineasta, Bhen Zeitlin, se inicia e promete. O que, convenhamos, já não é nada mau nos tempos que correm, no prosseguimento da promessa do mais autêntico e melhor do sonho americano.
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