Após a trilogia formada por "Coisas Secretas"/"Choses secrètes" (2002), "Os Anjos Exterminadores"/"Les anges exterminateurs" (2006) e "À Aventura"/"À l'aventure" (2008), com a qual tinha deixado muito boa impressão, Jean-Claude Brisseau está de regresso com "A Rapariga de Parte Nenhuma"/"La fille de nulle part" (2012), que de certa maneira a prolonga de modo inesperado.
Como sempre argumentista e realizador (neste caso, também produtor), ele assume aqui, além disso, a interpretação da principal personagem masculina, Michel Deviliers, um velho, solitário antigo professor que vive sozinho desde a morte da sua mulher, 29 anos antes. Assumindo a sua própria idade, o cineasta reveste aqui inteiramente um alter ego narrativo de si próprio, inesperadamente visitado por uma mulher muito mais nova do que ele, Dora/Virginie Legeay, sua actriz e assistente de realização já em "Os Anjos Exterminadores", que o faz empreender uma viagem pelo universo do estranho e do imaginário, paralelo ao comum e ao livro que ele próprio está a escrever.
Percorrendo o mundo dos mortos e as teorias sobre a reencarnação, mas também com referências à Bíblia e à psicanálise, e a alusão de Michel a um amigo operário que se matou após o Maio de 68, com uma grande sobriedade e elegância formal o filme leva-nos para uma vida normal em comum entre os dois, interrompida por ela, mas que, quando retomada, na relação mestre-discípula, pai-filha que se estabelece, o vai levar à conclusão de lhe querer deixar os seus bens quando se der a sua previsível morte. Comum e banal, dir-se-ia, não fora a distinção com que o cineasta suporta o seu papel, contracenando com concentração e brio com a desenvoltura de Virginie Legeay.
Após se ter desenvolvido como um filme entre um par inesperado devido às circunstâncias e sobretudo à diferença de idades, depois de múltiplas visões e alucinações "A Rapariga de Parte Nenhuma" vai logicamente acabar com a aparição da morte e do seu executor, visíveis apenas para os espectadores como os anjos o eram já no filme que os tinha no título. De certa maneira, os acontecimentos extraordinários que Dora trouxera consigo preparam o caminho para uma morte ordinária de Michel.
Sobre aparições, desaparições e outros mistérios, com alusões directas e muito interessantes a Victor Hugo ("Os Miseráveis") e Van Gogh ("o poder da criação"), o recurso muito apropriado à música de Mahler e o uso insistente do diálogo, este é um filme melancólico e triste, mas feliz, que traz de regresso ao nosso convívio um grande cineasta, desassombrado e audacioso, à altura de si mesmo e do melhor que dele se poderia esperar. Jogando com vários fantasmas que o cinema tem trabalhado e assumindo referências do próprio cinema (Hitchcock vem aqui muito a calhar e é mesmo referido no encontro de Michel com a antiga aluna), Jean-Claude Brisseau lida consigo próprio, a sua idade e a ideia da sua própria morte, que prepara e encena, de forma natural, sem a auto-complacência que se poderia recear, antes com auto-ironia e lucidez que paradoxalmente criam distância.
Filmado no seu próprio apartamento com uma equipa que conhece bem, "A Rapariga de Parte Nenhuma" mostra a sua ambição na intransigente exigência pessoal que caracteriza o cineasta e na perfeição cinematográfica atingida com simplicidade artesanal, o que lhe fica muito bem ao lidar em termos realistas com o extraordinário e, especialmente, na gravidade e na leveza do gesto.
Filmado no seu próprio apartamento com uma equipa que conhece bem, "A Rapariga de Parte Nenhuma" mostra a sua ambição na intransigente exigência pessoal que caracteriza o cineasta e na perfeição cinematográfica atingida com simplicidade artesanal, o que lhe fica muito bem ao lidar em termos realistas com o extraordinário e, especialmente, na gravidade e na leveza do gesto.
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