Desta vez, para "Terra Prometida"/"Promised Land" (2012) Gus Van Sant não teve a iniciativa do filme, que lhe foi proposto pelo actor Matt Damon, co-autor do argumento com John Krasinski, a partir de uma história de um escritor actualmente na moda, Dave Eggers. Desse modo, o cineasta teve o mérito de acolher e aceitar realizar um bom projecto, para dele fazer um filme que, dirigido por ele, o promove instantaneamente ao estatuto de clássico.
De facto, tudo na narrativa de "Terra Prometida" aponta para um conflito americano fundamental, sobre a terra, o seu uso e a sua eventual venda a quem tem interesse e dinheiro para a comprar. Colocando-se desde o início do lado do representante da empresa interessada na compra, Steve Butler/Matt Damon, a cujo flash-back corresponde a quase totalidade do filme, salvo o epílogo, Gus Van Sant dedica-se ao jogo perigoso mas muito bem sucedido de nos dar o ponto de vista mal intencionado na figura de um inocente bem intencionado, que só perto do final compreende de que modo foi envolvido no jogo dos seus mandantes.
A questão que se colocava, que lhe era colocada nomeadamente pelo Professor Frank Yates/Hal Hollbrook, tinha que ver com as possíveis consequências da venda das terras daquela pequena comunidade rural para as próprias terras, e essa perspectiva é aproveitada pelo inesperado ambientalista, Dustin Noble/John Krasinski, de modo a que Steve passe a ser generalizadamente hostilizado, e até agredido, salvo por aqueles que a sua comparsa, Sue Thomason/Frances McDormand (excelente como sempre), capta para o lado da empresa que representam.
O que aqui está em causa de maneira muito clara é que todos somos manipulados por aqueles que dominam, que detêm o poder, nomeadamente, o dinheiro, mas que agindo conscientemente, com base na verdade e na identidade, todos saberemos descobrir o que está em jogo e de que lado está a razão - e aqui Steve somos nós e nós somos Steve. Com a grande simplicidade da evidência, de mostrar, desvelar o que se esconde por trás de palavreado dito e escrito, de antagonismos como tal exibidos, "Terra Prometida" assume a dimensão e o sopro dos clássicos do cinema americano, um lugar a que Van Sant ainda não tinha chegado e em que talvez nem sequer fosse esperado (ver "A interiorização da culpa", 28 de Janeiro de 2012, e "Morrer novo", 27 de Agosto de 2012), mas a que aqui chega por si próprio, conservando para tal a candura dos grandes nomes do cinema clássico americano.
Steve, típico herói americano que sempre insistira que ele não era o mau daquela história, depois de o ter sido sem o saber consegue colocar-se do lado da razão e da justiça contra o poder e os interesses dos seus próprios mandantes porque soube manter intacta a memória das coisas e dos seres simples da sua própria infância, vivida num ambiente semelhante. Tudo se resolve, finalmente, do lado da clareza das coisas, quando esta é descoberta e se impõe como evidência, quando advém uma verdade que estava armadilhadamente escondida: o jogo duplo que a própria empresa, sem que Steve soubesse, fazia.
"Terra Prometida" é, pois, um filme muito bom narrativamente, muito bem dominado por uma realização simples, clássica, que dá todo o relevo ao que narra e aos actores, guardando para si própria a invisibilidade dos clássicos. Penso que, na actualidade, melhor do que isto não é possível no cinema americano, que aqui reencontra o seu sopro original, primitivo, próprio. Este é um filme que se coloca do lado do conhecimento, da consciência e da identidade, não esquecendo as grandes questões com que a América se confronta, e em que se debate na actualidade - a crise, a guerra -, antes integrando-as perfeitamente na sua própria narrativa. O breve discurso final de Steve faz o resto, como lhe compete, através do uso da palavra. Muito bom e muito recomendável. E atenção aos actores americanos, porque eles não são nada estúpidos. Muito pelo contrário.
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