“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 7 de abril de 2013

Muito importante

         Desta vez, para "Terra Prometida"/"Promised Land" (2012) Gus Van Sant não teve a iniciativa do filme, que lhe foi proposto pelo actor Matt Damon, co-autor do argumento com John Krasinski, a partir de uma história de um escritor actualmente na moda, Dave Eggers. Desse modo, o cineasta teve o mérito de acolher e aceitar realizar um bom projecto, para dele fazer um filme que, dirigido por ele, o promove instantaneamente ao estatuto de clássico.
                    Promised Land, starring John Krasinski
      De facto, tudo na narrativa de "Terra Prometida" aponta para um conflito americano fundamental, sobre a terra, o seu uso e a sua eventual venda a quem tem interesse e dinheiro para a comprar. Colocando-se desde o início do lado do representante da empresa interessada na compra, Steve Butler/Matt Damon, a cujo flash-back corresponde a quase totalidade do filme, salvo o epílogo, Gus Van Sant dedica-se ao jogo perigoso mas muito bem sucedido de nos dar o ponto de vista mal intencionado na figura de um inocente bem intencionado, que só perto do final compreende de que modo foi envolvido no jogo dos seus mandantes.
        A questão que se colocava, que lhe era colocada nomeadamente pelo Professor Frank Yates/Hal Hollbrook, tinha que ver com as possíveis consequências da venda das terras daquela pequena comunidade rural para as próprias terras, e essa perspectiva é aproveitada pelo inesperado ambientalista, Dustin Noble/John Krasinski, de modo a que Steve passe a ser generalizadamente hostilizado, e até agredido, salvo por aqueles que a sua comparsa, Sue Thomason/Frances McDormand (excelente como sempre), capta para o lado da empresa que representam.
                    Promised Land
          O que aqui está em causa de maneira muito clara é que todos somos manipulados por aqueles que dominam, que detêm o poder, nomeadamente, o dinheiro, mas que agindo conscientemente, com base na verdade e na identidade, todos saberemos descobrir o que está em jogo e de que lado está a razão - e aqui Steve somos nós e nós somos Steve. Com a grande simplicidade da evidência, de mostrar, desvelar o que se esconde por trás de palavreado dito e escrito, de antagonismos como tal exibidos, "Terra Prometida" assume a dimensão e o sopro dos clássicos do cinema americano, um lugar a que Van Sant ainda não tinha chegado e em que talvez nem sequer fosse esperado (ver "A interiorização da culpa", 28 de Janeiro de 2012, e "Morrer novo", 27 de Agosto de 2012), mas a que aqui chega por si próprio, conservando para tal a candura dos grandes nomes do cinema clássico americano.
           Steve, típico herói americano que sempre insistira que ele não era o mau daquela história, depois de o ter sido sem o saber consegue colocar-se do lado da razão e da justiça contra o poder e os interesses dos seus próprios mandantes porque soube manter intacta a memória das coisas e dos seres simples da sua própria infância, vivida num ambiente semelhante. Tudo se resolve, finalmente, do lado da clareza das coisas, quando esta é descoberta e se impõe como evidência, quando advém uma verdade que estava armadilhadamente escondida: o jogo duplo que a própria empresa, sem que Steve soubesse, fazia.
                    Matt Damon in Promised Land
         "Terra Prometida" é, pois, um filme muito bom narrativamente, muito bem dominado por uma realização simples, clássica, que dá todo o relevo ao que narra e aos actores, guardando para si própria a invisibilidade dos clássicos. Penso que, na actualidade, melhor do que isto não é possível no cinema americano, que aqui reencontra o seu sopro original, primitivo, próprio. Este é um filme que se coloca do lado do conhecimento, da consciência e da identidade, não esquecendo as grandes questões com que a América se confronta, e em que se debate na actualidade - a crise, a guerra -, antes integrando-as perfeitamente na sua própria narrativa. O breve discurso final de Steve faz o resto, como lhe compete, através do uso da palavra. Muito bom e muito recomendável. E atenção aos actores americanos, porque eles não são nada estúpidos. Muito pelo contrário.

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