Terence
Davies é um realizador de cinema inglês com uma obra estimável embora escassa, de que nos chegou o seu último filme, "O Profundo Mar Azul"/"The
Deep Blue Sea" (2011), baseado na peça homónima de Terence Rattigan, que já
fora objecto de adaptação para o cinema nos anos 50 do Século XX -
"Profundo Como o Mar", de Anatole Litvak (1955), com argumento do
próprio dramaturgo. Agora com argumento dele próprio, Terence Davies
recupera neste filme uma época, por volta de 1950, como se diz no seu início, e um tema, uma paixão extra-conjugal, de profundo significado em Inglaterra.
O melodrama foi um género em que o cinema inglês se notabilizou antes do aparecimento do free cinema,
na segunda metade dos anos 50, e em que aquele que foi talvez o nome
mais famoso do cinema inglês de meados do Século XX, David Lean, se tornou mais digno de apreço.
Embora reconheça os seus méritos e as razões do seu sucesso no cinema,
devo dizer desde já que o melodrama não é um género cinematográfico que
goze da minha preferência. Teve os seus mestres, os seus méritos e os seus fãs, mas, salvo excepções ("Duplo Amor"/"Two Lovers", de James Gray, 2008), não me conto entre estes.
Devo,
contudo, reconhecer que Terence Davies se tornou um especialista
destacado do melodrama, com grande capacidade de adaptação a diferentes
contextos narrativos e de época, e que por isso mesmo ele consegue fazer de "O
Profundo Mar Azul" um filme muito interessante por razões estritamente
fílmicas - portanto, pelas melhores razões. Utilizando
os termos textuais do próprio filme, este divide-se entre as sequências
com música e as sequências sem música, e esta divisão aparentemente
muito simples valoriza os momentos puramente dramáticos de que a música
está ausente e em que, portanto, o cineasta tira o melhor partido dos
ruídos e sobretudo dos silêncios, ao mesmo tempo que deixa aos actores
todo o encargo de suportarem o filme.
Os actores são, como geralmente no cinema inglês, muito bons, com
destaque para Rachel Weitz, Tom Hiddleston, Ann Mitchell e Simon Russell
Beale, a realização é sóbria e segura, com bom aproveitamento dos
espaços e inteligente utilização do fora de campo, a cor saturada puxa
para o decorativo de época, como costuma acontecer nos filmes de Davies e
é apropriado no melodrama, o que tudo proporciona o ambiente propício
para aquele drama clássico, sem ser trágico, como diz a protagonista ao
marido em certo momento. Há um lado de prestígio do cinema britânico em
que o filme se move, mas de maneira criativa e inteligente, fazendo
sobressair por meios cinematográficos simples mas bem utilizados o que
ali é mais importante. Mesmo quem não é fã do melodrama, como eu
não sou, não deixará de reconhecer neste filme uma intervenção criativa
qualificada a nível de mise en scène, com um cunho claramente pessoal.
Terence Davies já fez melhor? A questão nem sequer é essa - por exemplo, o seu filme anterior, o documentário "Of Time and the City" (2008), sobre a sua Liverpool natal, é excelente -, já que este
"O Profundo Mar Azul" é um filme muito bom, inteligente e seguro, que faz perfeitamente
sentido na sua obra, que acrescenta num tom de depuração fílmica que a
ele, como cineasta, lhe fica muito bem. O Concerto para Violino Op. 14 de
Samuel Barber está muito apropriadamente utilizado e o ambiente do
pós-guerra em Londres muito bem recriado e evocado.
Tom Hiddleston como Freddie Page e especialmente Rachel Weitz, sempre muito bem dirigida e filmada na criação da complexidade interior de Hester Collyer, a personagem central, conferem um carácter de época definido e consistente a este filme, tornando-o muito apreciável, intemporal mesmo pelos termos cinematográficos em que é tratado na sua radicação espacio-temporal precisa. Dizendo isto digo tudo do meu apreço por este último trabalho de Terence Davies.
Tom Hiddleston como Freddie Page e especialmente Rachel Weitz, sempre muito bem dirigida e filmada na criação da complexidade interior de Hester Collyer, a personagem central, conferem um carácter de época definido e consistente a este filme, tornando-o muito apreciável, intemporal mesmo pelos termos cinematográficos em que é tratado na sua radicação espacio-temporal precisa. Dizendo isto digo tudo do meu apreço por este último trabalho de Terence Davies.
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