"Antes da Meia-Noite"/"Before Midnight" (2013) é o terceiro filme em
que Richard Linklater reúne Julie Delpy e Ethan Hawke, depois de em
"Antes do Amanhecer"/"Before Sunrise" (1995) Celine
e Jesse, que eles desde aí interpretam, se terem encontrado pela
primeira vez e em "Antes do Anoitecer"/"Before Sunset" (2004) se terem
reencontrado. Gostámos deste par desde o primeiro filme e é por isso um
gosto vê-los de regresso.
Nem o realizador nem os actores são quaisquer uns - tanto Julie Delpy
como Ethan Hawke já realizaram filmes por si próprios
(ver "Uma cineasta completa", 21 de Outubro 2012) -, e aqui, como no
anterior, reúnem-se os três no argumento do filme. O resultado é muito
bom.
Passada mais de uma hora do filme, todos esperamos a continuação do tom
benevolente e caloroso de umas férias, que estão a acabar, do agora casal Jesse e Celine na
Grécia, muito bem filmadas e superiormente interpretadas por todos, em
especial pelos dois actores principais. O Sol, as férias, os amigos,
tudo parece reunido para que se prolongue uma descontraída, amena e
revigorante convivência, que lhes deixa aos dois o tempo e o espaço
para longos diálogos a sós. Sobre eles os dois, o filho dele, as filhas
gémeas de ambos, o passado e o futuro. Eis senão quando o casal é
empurrado para um quarto de hotel, onde vai decorrer o que falta do
filme e para alguns será a sua parte mais fraca, que contudo, apesar da excelente, estimulante primeira parte, em contraste com ela considero a
melhor, porque decisiva.
Postos frente a frente como numa jaula, a conversa de doce torna-se
ácida, a benevolência é substituída pela agressividade, as recordações
partilhadas por recriminações mútuas. Se antes os dois actores tinham
estado muito bem, ao nível do seu melhor apurado pela idade, aí ambos se
excedem em depuração da representação, sempre contida mas sempre à
beira da explosão, em que, no gume da ironia em que sempre se entenderam,
Jesse e Celine abertamente se desentendem. Tudo está acabado com a
última saída dela, sem regresso, do quarto, quando ele, que é escritor,
se vai juntar a ela no terraço com a ideia da carta que,
do futuro, ela escreve a si própria.
Tudo se joga nessa segunda parte do filme entre diálogos sempre justos e
representações soberbas de naturalidade e quotidiano. Não há ofensa
mútua poupada, não há qualquer princípio de aceitação ou compreensão.
Tudo se joga e tudo se perde - ou ganha - para ambos os lados. O final...
bem, o final tinha de ser aquele para que a série de filmes possa
continuar, depois da meia-noite, um destes dias, mas tenho ideia de que
todos percebemos que por ali, entre os dois, passou a ideia da separação,
que até seria uma solução possível, mesmo eventualmente favorável.
Não importa. O que faz o fascíno deste "Antes da Meia-Noite" é que
permanentemente, de princípio a fim, nos é dada a percepção do tempo que
passa, sem regresso passa entre os dois e para cada um deles, o que a
conversa em volta da mesa com os seus amigos gregos mais torna sensível.
Como nos filmes anteriores, mais do que neles, nós assistimos a um cristal do tempo em formação sobre cristais do tempo passados,
sabendo nós que os dois protagonistas o sentem também como tal, e é
mesmo por isso que a ideia dele da viagem no tempo é muito bem achada. E
não são só as referências mútuas, pessoais, que são aqui relevantes,
são as referências repetidas à história da literatura, de uma
civilização, do próprio cinema, que nos dão a convergência neste filme
de múltiplos tempos e outras circunstâncias - o filme a preto e branco
dos anos 50 que ela viu é "Viagem em Itália"/"Viaggio in Italia", de
Roberto Rossellini (1954), que se percebe por mais esta apropriada
referência continua vivo na memória e influente, por isso perene, ,já que
este filme é, para os protagonistas, a sua "viagem à Grécia".
Não sei como este "Antes da Meia-Noite" tem sido visto e tratado,
talvez como comédia sentimental, o que até está na moda, mas para mim
ele é um momento de cinema notável construído por Linklater, Julie Delpy
e Ethan Hawke, aos quais por isso presto aqui a minha homenagem. Mas
por mim acho mesmo que deveriam encarar a sério o divórcio...
Sem comentários:
Enviar um comentário