“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um regresso inusitado

       Quando não são esquecidas, há personagens que se tornam míticas depois da morte, de quem a morte constrói ou amplia o mistério. "À Procura de Sugar Man"/"Searching for Sugarman", do sueco  Malik Bendjelloul (2012), trata em forma de documentário de um caso paradigmático em que tal começou por não acontecer: desconhecido na América, muito popular na África do Sul por volta de 1970, o cantor conhecido por Rodriguez ter-se-ia suicidado durante uma actuação ao vivo, como foi noticiado na época, e depois disso caído no esquecimento.
        A forma de inquérito jornalístico que, com recurso a depoimentos, reconstitui aquele que foi efectivamente feito, permite ao filme construir-se, de forma inteligente e hábil, com a criação do mistério da sua personagem, e esse é o principal motivo do interesse deste documentário. Ora criar um mistério não é fácil num documentário, mas este também não foi um filme fácil de fazer, já que em certos momentos, na falta do equipamento comum de 8mm o realizador filmou com um iPhone, o que dá conta da dimensão da sua fé e da sua proeza, do mérito do seu sucesso
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       Em momento nenhum "À Procura de Sugar Man" deixa entrever a solução do mistério que constrói para o desvendar, uma explicação que surge apenas no tempo justo, tarde e no momento certo, com a naturalidade da descoberta de um enigma retirando o véu que o ocultava: o do desaparecimento e do silêncio. Desse modo, o regresso de Rodriguez é como se ele viesse de um outro mundo, de entre os mortos, para um reaparecimento como homem comum encarado com naturalidade, quando o que entretanto lhe sucedeu é prosaicamente explicado pelas suas filhas e por ele próprio, contudo uma personagem verdadeiramente invulgar.
        A fama tem destas coisas: é possível escapar-lhe sem que ela deixe de perseguir quem dela foge. No caso, a descoberta deste homem e o estabelecimeto da verdade a seu respeito tornaram-se motivo para a recuperação de um grande artista popular, injustamente tratado de um lado do Atlântico mas profundamente popular do outro lado. Quando Sixto Rodriguez procurou (e mereceu) a fama ela fugiu-lhe perto para, sem que ele o soubesse, não o abandonar longe, e quando já nada esperava ela foi de novo ter com ele.
                    
       Operário da construção civil em Detroit, durante o seu desaparecimento este homem invulgar fez um curso de filosofia e criou três filhas, que lhe fazem os maiores elogios. Pergunta-se se não teria sido melhor para ele permanecer onde estava, como estava depois de ter circulado a notícia da sua morte. Mas o seu súbito regresso parece não ter alterado o seu modo de viver, fez a alegria de muitos, talvez também a dele próprio, e em todo o caso a sua história, agora emotivamente contada, contém várias lições para o presente.

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