“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 22 de junho de 2013

Desastroso

      Fazer um "O Grande Gatsby"/"The Great Gatsby", baseado no famoso romance de F. Scott Fitzgerald, em 3D, com o australiano Baz Luhrmann, o típico cineasta pós-moderno, como co-argumentista (com Craig Pearce) e realizador (2013), foi desastroso, como não podia deixar de ser.
     Ao seu jeito de planos rápidos e constantes movimentos de câmara, o realizador consegue atingir aqui o seu pior e máximo de ridículo, não passando da superfície do romance de que parte e deixando-nos abismados com a sua falta de domínio do 3D no cinema - este é o pior filme com este processo a que me foi dado assistir até hoje. Nem os actores, com um Leonardo DiCaprio a conseguir atingir a ambiguidade da personagem de Jay Gatsby e Joel Edgerton muito bem como Tom Buchanan, conseguem evitar o desastre.
                     
     O problema maior advém de adoptar como ponto de partida uma obra maior, mítica, da literatura americana do Século XX, de que apenas as cenas festivas podem beneficiar do 3D e do estilo do realizador, o que cria um desequilíbrio manifesto com o resto do filme, em que em certas cenas, em particular em interiores, quer o 3D quer o estilo do realizador se tornam contraproducentes, no limite do risível. E então vários planos do mesmo actor enquanto este fala não é mau, é péssimo.
        Mas o pior mesmo é ser este o tipo de leitura de "O Grande Gatsby" e o tipo de filme que se calhar está mais de acordo com a América actual, mais apto para, com o estilo vistoso próprio do cineasta, captar a atenção desatenta dos espectadores actuais, famintos de divertimento ligeiro e que se bastam num melodrama inofensivo, mais melodrama e mais inofensivo do que "Dallas" ou "Falcon Crest", séries estimáveis feitas para a televisão numa época de crescimento desta, foram no seu tempo. É que o romance de F. Scott Fitzcerald não é um simples melodrama e o cinema americano já fez melodramas muito melhores do que aquele que neste filme Baz Luhrmann cria.
                      gatsby3
       Não me espanta nada que tenha sido este o momento escolhido por gente tão respeitável e responsável como Steven Spielberg e George Lucas para vir falar na "implosão de Hollywood". Eles sabem do que falam e sabem o que dizem. Resta-me comentar que de situações semelhantes Hollywood soube renascer das suas próprias cinzas, mas também acrescentar que a situação actual é especialmente melindrosa porque já toda a gente percebeu que não é o 3D que vai resolver agora os problemas cridos pela concorrência da internet, que parece capaz de ganhar em qualquer terreno ao cinema.
       Não se salva nada deste "O Grande Gatsby" de Baz Luhrmann? Os dois actores referidos, a música de Craig Armstrong e a reconstituição de época dos momentos mais festivos escapam. Além disso, confirma-se apenas o estilo do realizador, também co-argumentista, por certo um autor segundo todos os critérios, mas um daqueles que eu só frequento mesmo por dever de ofício e que, apesar de com ele manter prudentemente baixa a expectativa, sempre me desilude. Salvar-se-á, se se salvar, o resultado de bilheteira, que por si mesmo nunca salvou um filme inferior, como este é, de o ser. Talvez em 2D resulte melhor. Em 3D é um desastre.

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