É uma absoluta maravilha o último filme do sul-coreano Hong Sang-soo, "Noutro País"/"Da-reun na-ra-e-seo"/"In Another Country" (2012). Com uma Isabelle Huppert que se limita a emprestar a sua figura, a sua leveza e a sua graça a um filme em que interpreta três personagens diferentes, todas elas com o mesmo nome de Anne, nas três ficções criadas no interior do filme para três pequenas histórias que as têm no seu centro, o cineasta faz prodígios com meios muito escassos (não precisa de mais) e com o seu já conhecido talento (ver "Pintor de nuvens", 4 de Novembro de 2012), que o está a tornar numa figura mítica do cinema contemporâneo.
Há neste filme a confirmação plena de que Hong Sang-soo é um cineasta da subtileza, que ele aqui leva a extremos abissais de forma muito simples mas muito inteligente, fazendo transitar entre cada uma das histórias algumas personagens e situações - o realizador de cinema com a mulher grávida, o nadador-salvador - e mais do que isso, fazendo a Anne do último episódio ir buscar o chapéu de chuva ao local em que a Anne do episódio anterior o tinha deixado, para com ele se afastar, talvez já só a ideia de Anne, em figura lapidarmente chaplinesca sem minimamente forçar a nota e sem que a comparação surja como estranha ou abstrusa.
Em cada uma das pequenas histórias surge também a menção a um farol que o torna a ideia de um farol, além de surgirem em diálogos ideias muito interessantes, nomeadamente no segundo, construído sob a forma de sonho, e no terceiro, que gira em torno de um diálogo de Anne com um monge sobre a mentira, o que é tanto mais pregnante quanto em cada um dos episódios surge, de uma ou de outra maneira, a ideia de infidelidade e surge sempre um elemento estranho, uma francesa numa praia na Coreia do Sul.
Os próprios cenários repetem-se de episódio para episódio, acentuando o tom de ficção que cada um deles tem, fruto da imaginação criativa duma jovem argumentista. No fundo, nos mesmos locais e basicamente com as mesmas personagens podem construir-se tantas histórias diferentes quantas se quiser, histórias que podem ligar-se entre si de inúmeras maneiras subtis e muito felizes, como o cineasta Hong Sang-soo aqui faz de forma superior. E nas três histórias as três Anne não serão no fundo a mesma Anne, de que são dadas em cada uma facetas diferentes?
Claro que é possível descortinar afinidades com "A Mulher Desejada"/"The Woman on the Beach", de Jean Renoir (1947), mas não será preciso esticar muito as comparações para perceber que "Noutro País" é um imenso filme despretensioso em que no país do cinema, que é o cinema deste grande cineasta sul-coreano, tudo se passa como num filme de Hong Sang-soo, e só num filme dele, se pode passar. Aqui não é a Coreia do Sul, mas Portugal que é um país distante, um país a que apesar de tudo é imperioso que os filmes deste extraordinário cineasta cheguem de forma sistemática, para todos podermos apreciar em toda a sua extensão a sua arte, decididamente superior.
Um cineasta como este conhece a sua arte, o seu mundo e os seus espectadores, de tal forma que não se pode permanecer na ignorância da sua obra, da sua arte sem se ser amputado duma parte muito importante e significativa do cinema contemporâneo e do conhecimento de nós próprios. Nem americano nem europeu, Hong Sang-soo é um cidadão, notável, do mundo do cinema.
Nota
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Sobre Isabelle Huppert, ver também "Silêncios e corpos", 25 de Março de 2013.
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