“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Poesia maior

        Portugal é por vezes qualificado como "um país de poetas", o que poderá ser considerado um elogio se pensarmos em poetas maiores - e só nesse caso. Mas são sempre necessárias as boas traduções para todos sabermos como foi a poesia antes, num tempo em que nem sequer existiam a actual divisão política da Europa ou as línguas actuais, como foi e é a poesia, antiga ou moderna, de povos e idiomas diferentes, que não dominemos. 
         A "Antologia da Poesia Grega Clássica", com tradução e notas complementares de Albano Martins, um dos poetas maiores de língua portuguesa da sua geração, cumpre de forma mais que perfeita o encargo que assumiu de verter para português a poesia de uma época e de uma sociedade absolutamente fundamental porque fundadora da cultura europeia e ocidental. Editada, em 2ª edição, pela Afrontamento (2011), ela recolhe e verte para português o cruzamento que nessa poesia se verifica entre a epopeia, a lírica e a tragédia - e com a filosofia (1) -, em geral por recurso a fragmentos, ou porque eles foram o que dessa poesia nos chegou ou então porque selecciona excertos de poemas longos.
                                      
            Nesta "Antologia da Poesia Grega Clássica" o tradutor aproveita bem as antologia que lhe foram dedicadas em França na segunda metade do Século XX, de Robert Brasillach (1964) e Marguerite Yourcenar (1981), utilizando a apresentação de cada autor feita nessas edições, embora tenha moldado a sua tradução sobre o texto grego, ao que acrescenta, no final, notas complementares. Ao lê-la somos remetidos, no caso da epopeia e do teatro para os textos completos, e sempre para uma cultura fundadora em todos os aspectos, na poesia e no teatro, na política e na filosofia, do que de mais importante veio a suceder depois, até à actualidade, no pensamento e nas artes da Europa e do mundo ocidental, de forma a nela reconhecermos uma radical modernidade e um radical fundamento de todas as modernidades que a conheceram (2). Erudito e vertiginoso.
      Aliás, também da responsabilidade de Albano Martins saiu na mesma editora "Três momentos da poesia europeia (De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas)", com selecção, tradução e notas suas, um volume que recobre parcialmente a mesma época mas também inclui poesia italiana e espanhola recente menos conhecida, tudo traduzido de forma primorosa, modelar (2012). E a Afrontamento, que publicou a poesia completa deste poeta maior, "As Escarpas do Dia (Poesia 1950-2010)", com Prefácio de Vítor Aguiar e Silva, publicou em 2012 o seu novo livro de poesia, "Estão agora floridas as magnólias", em que a depuração da sua escrita poética o faz aproximar-se do hai-ku japonês.
                                             Estão Floridas As Magnólias - Ampliar Imagem             
         A tradução de poesia não está ao alcance de um qualquer tradutor, de qualquer um que domine bem várias línguas, pois exige o saber e a sensibilidade de um poeta, de preferência de um grande poeta, que a saiba sopesar, avaliar e recriar no seu próprio idioma poético, o que com Albano Martins, poeta da sensibilidade e do sensível, do silêncio e da memória, sem dúvida acontece (3). Sobretudo num momento em que as livrarias mais antigas de Lisboa encerram, ou estão em risco de encerrar, umas a seguir às outras, penso que no tal "país de poetas" devo chamar a atenção para aquilo que de mais invulgarmente importante tem sido publicado em poesia. "Espaço/em branco: a porta/de acesso ao vazio." (Albano Martins)
          Mas a propósito de traduções e de poetas, recomendo também vivamente a última edição portuguesa de "Em Busca do Tempo Perdido"/"À la recherche du temps perdu", de Marcel Proust, editada pela Relógio D'Água com tradução de Pedro Tamen. Ainda hoje o considero um dos romances mais importantes de todo o Século XX, com o qual apenas o "Ulysses" de James Joyce e William Faulkner rivalizam. Embora não tenha qualquer dúvida em recomendar, e até oferecer aos meus amigos esta última edição portuguesa da "Recherche", já decidi que, se para ela tiver tempo, a terceira e última leitura dos seus sete volumes vou fazê-la na edição original, que era por onde devia ter começado como fiz com Joyce (ver "Obsessões", 27 de Fevereiro de 2012).    

Notas
(1) Cf. sobre esta questão "A Descoberta do Espírito - As Origens do Pensamento Europeu na Grécia", de Bruno Snell (edição portuguesa Edições 70, Lisboa, 1992, 2003).
(2) Cf. "A Poesia do Pensamento - Do Helenismo a Celan", de George Steiner (edição portuguesa Relógio D'Água, Lisboa, 2012).
(3) Albano Martins, que teve a sua poesia completa reunida pela primeira vez em "Vocação do Silêncio - Poesia (1950-1985)", com Prefácio de Eduardo Lourenço, publicado pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda em 1990, traduziu antes destas duas antologias Pablo Neruda, Rafael Alberti, Nicolás Guillén, Giacomo Leopardi, entre outros, e a presente não é sua primeira tradução da poesia grega clássica.

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