“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 21 de fevereiro de 2015

18 anos, perdido

     Transmitido pelo Arte, "Les stigmates du tueur"/"Staudamm" é a segunda longa-metragem do alemão Thomas Sieben (2012), co-autor do argumento com Christian Lyra. Trata-se de um filme extraordinário na sua própria anti-espectacular economia de meios no tratamento de um caso de massacre escolar ficcionado a partir de diversos casos reais ocorridos já este século na Alemanha.
                    Staudamm
   Descrevendo um trajecto semelhante ao de "Elephant", de Gus Van Sant (2003), este filme dele se afasta por não proceder a uma reconstituição extensiva dos acontecimentos nem mostrar o autor dos crimes em benefício do inquérito conduzido a posteriori por um inquiridor ocasional que pelo caso se interessa, Roman/Friedrich Mücke, a partir da sua chegada à localidade onde os acontecimentos tiveram lugar acompanhado por Laura/Liv Lisa Fries, que a eles assistiu.
  Com um tom sóbrio e discreto sobre um ambiente com nuvens baixas, depois de diversos episódios dilatórios do inquérito de Roman mas que o favorecem (a demora na entrega de um dossier, a sua própria demora em aceitar ao convite de Laura para o fazer aceder aos locais) o filme chega ao que o assassino deixou escrito sobre si próprio, o que acaba por ser o seu ponto central. Depoimento fundamental de um jovem de 18 anos que se considera perdido, por ele percebemos como poderes diversos, escolares e clínicos incluídos, todos andam a iludir-se e a iludir-nos ao chegarem sistematicamente tarde a casos como este. 
                    Friedrich Mücke & Liv Lisa Fries in "Staudamm"
    Todos andam entretidos com o dinheiro, o poder, a fama, a guerra, deixando ao abandono, entregue a si própria, uma juventude que se sente ignorada e desprezada, da geração anterior apenas aquilo recebe e por isso em casos extremos faz esta ou outras opções radicais e aparentemente sem sentido. Há, com efeito, toda uma geração que, contando com o desprezo ou a desatenção de todos os responsáveis, vai fazendo o que acha dever fazer, mesmo se por isso pedindo desculpa, como no caso deste filme, em que o assassino se torna tanto mais presente quanto não é mostrado e que decorre num meio pequeno e fechado, acontece.
   Sem nunca o mostrar abertamente, "Les stigmates du tueur" é um libelo violentíssimo contra estas sociedades do egoísmo e da vaidade, da passividade e da indiferença pelo indivíduo, que central ou localmente com ele apenas se preocupam em momentos de crise. Sem espectáculo, sem estardalhaço, numa linha quase bressoniana faz o processo de um caso extremo e, por intermédio dele, de sociedades pós-industriais e pós-humanas em que os indivíduos se limitam a números de uma contabilidade eleitoral ou estatística, sociedades que se preocupam prioriariamente com o deve e haver da dívida, a subida e a descida dos mercados, os avanços e recuos de guerras cuja origem se perde nas necrópoles do tempo.
                     Staudamm - Plakat
       Eu percebo que vocês estejam a pensar nos Oscars. Eu estou preocupado com isto, que surge cristalinamente no falso film noir que "Les stigmates du tueur" é. Falem sempre uns com os outros e cuidem-se. Depois não digam que "é a vida", porque é sobretudo, em isolamento e incomunicabilidade, a má vida.

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