“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Nada ao acaso

     "Olhos Grandes"/"Big Eyes", a mais recente longa-metragem de Tim Burton (2014), é um filme algo insólito na sua obra pois baseia-se em factos e personagens reais, o que anteriormente apenas lhe havia acontecido em "Ed Wood" (1994). Não obstante essa circunstância, este é mais um filme com a assinatura do cineasta, pois também ele trata de uma caso extremo de criação artística, desta feita na pintura. Mas não só por isso.  
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    Nos anos 50 do Século XX Margaret Keane/Amy Adams vê a autoria das suas obras - rostos de criança com olhos grandes desenhados - usurpada por aquele que, intitulando-se pintor com aprendizagem feita em Paris, se vem a tornar seu marido, Walter Keane/Christoph Waltz. Trata-se de um caso estranho, como diz no final o juiz de Honolulu, mas o golpe estava dado quando Walter se tornou marido de Margaret.                             
    Reconhecendo todo o mérito à narrativa, a mim interessam-me sobretudo os traços que melhor individualizam o filme como obra de Tim Burton, um criador cinematográfico nada acidental. De facto, quer Amy Adams quer Christoph Waltz remetem directamente neste filme para o cinema americano dos anos 50, ela para Kim Novak, nomeadamente em filmes de Richard Quine (1920-1989), pela maneira como é filmada, ele para Gene Kelly no musical de Vincente Minnelli (1903-1986), nomeadamente "Um Americano em Paris"/"An American in Paris" (1951), pela maneira como se move e age fisicamente. Se a isto juntarmos o apropriado uso do preto e branco nas imagens da televisão, como acontecia na época, teremos as marcas da inteligente apropriação de uma época por um cineasta superior para um filme também por isso invulgar.
                     big eyes movie review christoph waltz Big Eyes Review
     Salvo um caso de uso do desenquadramento numas escadas, "Olhos Grandes" poderia parecer um filme comum baseado num caso real, o que de todo não é pelo que acima referi mas também pelo tom onírico em que tudo decorre, como o sonho de Margaret, personagem estática diante de um Walter hiper-móvel. De resto, o próprio uso da cor na fotografia de Bruno Delbonnel e da música de Danny Elfman vai nesse sentido.
      Como "Ed Wood", mais do que ele, este filme pode ser assim ser visto como um superior filme de época sobre o próprio cinema, tanto mais quanto a mencionada Kim Novak foi também a Madeleine/Judie de "A Mulher que Viveu Duas Vezes" /"Vertigo", de Alfred Hitchcock (1958), um filme como este passado em São Francisco.
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     Visto desta maneira, que o próprio filme impõe com todas as suas outras referências de época, "Olhos Grandes" é um filme tão completamente dominado por Tim Burton como os seus filmes em stop-motion e fala-nos todo o tempo a outros níveis que não os que surgem como imediatos ao espectador de hoje, que poderá, contudo, compreender o simbolismo dos olhos grandes pintados.  
     (Sobre Tim Burton, ver "Um artista americano", de 24 de Maio de 2012, e "Um artista de sonho", de 21 de Outubro de 2012.)                                                      

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