“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Excesso de subtileza

      Alejandro González Iñárritu é um cineasta mexicano estabelecido nos Estados Unidos que nos habituou a filmes muito bons mas, em especial ultimamente, com algo de irrritante, o que volta a acontecer em "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorãncia)"/"Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)" (2014). Depois do preciosismo temporal dos seus filmes iniciais, "Amor Cão"/"Amores perros" (2000), "21 Gramas"/"21 Grams" (2003), "Babel" (2006), e de "Biutiful" (2010), ele regrassa a um registo subtil ao revisitar agora uma antiga vedeta de Hollywood, Riggan Thomson/Michael Keaton, conhecida pelo seu desempenho de Birdman e depois caída no esquecimento.
                   
     Se há uma certa proximidade do protagonista quando ele tenta regressar como encenador e actor de teatro na Broadway, a própria interpretação de Michael Keaton - num registo indeciso que só a partir da discussão com a filha, Sam/Emma Stone, em que ela lhe diz o que ele não queria nem esperava ouvir, se vai tornando mais afirmativo - só progressivamente trabalha nesse sentido. Ora isto compreende-se porque Riggan Thomson vive em diálogo com a sua anterior personagem fantasmática, mas essa indecisão vai sobretudo influenciar a sua encenação de Raymond Carver (1938-1988) - um grande escritor americano anteriormente adaptado ao cinema por Robert Altman num dos seus melhores filmes, "Short Cuts - Os Americanos"/"Short Cuts" (1993) - e o contacto e convívio com os respectivos actores, nomeadamente Mike/Edward Norton, caricatura do Método do Actors Studio.
      Sem perder de vista a crítica ao cinema e ao teatro, que Tabitha/Lindsay Duncan personifica exemplarmente, Iñárritu tenta, com precioso apoio em Michael Keaton, compreender e explicar um homem fora do seu tempo como Riggan é, e as coisas vão-se encaixando a pouco e pouco, com o mito da personagem anterior, e a sua fama, a sobreporem-se à hesitante realidade actual dele - e essa apropriação do presente pelo passado é essencial no filme.
                      
      A encenação teatral, com as suas previews, dentro do filme está bem vista mas a questão da arma de fogo é muito denunciada e torna-se previsível, embora o final não lhe dê imediata e directa satisfação. E será talvez nesse diferimento do final que reside a maior subtileza deste "Birdman", em que Riggan não se mata mas... Tudo muito, demasiado subtil, conservando embora a esse nível a contundência crítica.
      A complexa construção do filme e do seu final preserva algum encanto, mas a crítica implícita e explícita ao cinema e a Hollywood revela-se inofensiva, algo com que o cinema americano pode perfeitamente conviver, até apreciar nas meras cócegas que lhe faz. Não se esperava tanta complacência narcísica, embora a percussão salve bem a banda musical, não nos dando tréguas, e o trabalho de Michael Keaton (duas vezes Batman para Tim Burton, o que deve ser levado em devida conta) seja decisivo para o sucesso do filme, que se fica a dever, no fundamental, a ser assombrado por um fantasma numa arte fantomática que a eles é especialmente propícia. E é mesmo por isso que se compreende e aceita o seu excesso de subtileza.       

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