“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 22 de março de 2015

Asas

   Aquele que se anuncia como o último, mesmo o último filme de Hayao Miyazaki, "As Asas do Vento"/"Kaze tachinu" (2013), é uma verdadeira, incomparável obra-prima, com a qual ele deixa de vez o seu nome indelevelmente ligado ao cinema de animação e à história do cinema, em que ocupa um lugar entre os maiores.
                    «As Asas do Vento», o último filme de Miyazaki, em ante-estreia na MONSTRA
    Fiel a técnicas tradicionais do cinema de animação, mas também fiel a um imaginário do Século XX, o grande mestre da animação japonesa dedica-se, como argumentista e realizador, a mais um exercício de sabedoria do cinema, da animação, do imaginário e da história, apostando tudo do lado do sonho na figura de Jiro Horikoshi/voz de Hideaki Anno, o homem que terá estado na origem da criação dos bombardeiros japoneses para a II Guerra Mundial.
    Começando pelo princípio, a história de um jovem japonês com um sonho, que o encontro com o italiano Giovanni Battista Caproni/voz de Mansai Nomura estimula e alimenta, Miyazaki refaz a história dos anos 20 e 30 por intermédio da história da personagem mas também das referências históricas e culturais do Japão e da Europa da época - muito bem aproveitada "A Montanha Mágica", de Thomas Mann.
                   
    Sobre uma história sua, o grande cineasta japonês não deixa os seus créditos por mãos alheias, e torna a juventude e o sonho a encarnação viva de um tempo de exaltação e promessas que iria acabar em catástrofe: a II Guerra Mundial. Mas é justamente ao meter-se no "olho do furacão" mantendo-se sempre sobre as suas personagens centrais que, filme histórico de animação, "As Asas do Vento" vai ao encontro de um centro nevrálgico que o enobrece.
     Uso estas palavras para apoiar no plano narrativo o meu enorme apreço pela arte visual de Hayao Miyazaki na animação, que acompanha o desenvolvimento perfeitamente calibrado dos amores do protagonista, que no início do seu namoro empurrados pelo vento ganham, literalmente, asas. Num filme em que, como nos anteriores do cineasta, as personagens levantam voo a partir dos pés. Com "Die Winterreise" de Schubert e tudo. Não é possível fazer hoje em dia melhor, e ainda bem que ainda hoje, na era do digital, é ainda possível a Miyazaki fazer este filme, em que, em especial na parte final, a imagem animada das personagens parece real.
                    Hayao Miyazaki
    Faz o grande mestre japonês da animação muito bem em despedir-se do cinema desta maneira, como Hans-Jürgen Syberberg, Peter Greenaway e Béla Tarr, entre outros, antes dele fizeram: piquenos novos mestres farão no futuro, com nova tecnologia, melhor do que ele fez. Abismado e comovido com este filme, aqui lhe deixo, Hayao Miyazaki, a minha homenagem e o meu maior apreço - eu que serei um dos últimos a conhecer toda a sua obra (sobre o cineasta ver "Uma animação principesca", de 30 de Março de 2012). 
     "Tens de viver", diz a Jiro Horikoshi no final o fantasma da mulher - e este fantasma feminino tem antecedentes importantíssimos no próprio cinema japonês, que deixo ao vosso cuidado descobrir.

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