Do cineasta russo Andrey Zviáguintsev (ver "Uma fábula moralista", de 27 de Agosto de 2012) chega-nos agora "Leviatã"/"Leviafan" (2014), mais um filme sobre a Rússia actual, pós-comunista e neo-capitalista. É um filme contundente, sem embaraços de linguagem nem de narrativa e com um alcance universal.
Longe de contemporizar, como costuma acontecer em diversas cinematografias, o cineasta identifica um problema na Rússia actual, situando-o no Norte do país, próximo do Mar de Barents, e sobre ele constrói um filme inteligente, que não propõe soluções nem sequer total clareza sobre as suas personagens - vítima de intimidação e de chantagem, Kolya/Aleksey Serebryakov talvez até tenha assassinado no final a sua própria mulher, Lylia//Elena Lyadova, o que é deixado em aberto pelo seu desespero e por uma realização inteligente.
No que mais interessa em termos cinematográficos, naquele quadro familiar e político acabrunhante Andrey Zviáguintsev, sem recusar o campo-contracampo, encaminha-se para o plano frontal de mais do que uma personagem em diálogo e usa muito esporadicamente a música (pois este não é um filme de entretenimento), o que dá uma maior sobriedade e, simultaneamente, uma maior clareza ao filme. Mas há no perder-se em delongas narrativas de "Leviatã", assinaladas por um convívio de embriaguês e hostilidade, de inveja e malevolência entre as personagens - exemplar a cena do tiro ao alvo -, uma atenção ao detalhe significativo de uma convivência doentia que marca decisivamente o filme e a sua narrativa, sem deixar equívocos ou mal-entendidos a esse respeito: ali tudo ruiu, todos ruíram, e naquele barco ninguém se salvou.
Com a benção da igreja, no caso ortodoxa russa, ninguém quer saber de nada que não seja de si próprio - todos viram passar pelo Kremlin personalidades diversas, sem influência decisiva, nem como fantasmas, sobre a Rússia actual. Fria e feminina, a justiça debita-se e cumpre-se como deve mas só sobre o que é trazido perante si - num filme em que as mulheres não são melhores do que os homens, sem contemplações também aí, como deve ser e ainda bem que é.
Claro que ´"Leviatã" é muito dialogado, pelo que o cineasta, também co-autor do argumento com Oleg Negin, deixa o seu comentário final para o fim, sem palavras, apenas sobre imagens - imagens da terra que se vêm acrescentar ao esqueleto do monstro marinho. Um comentário inequívoco e pessoal, como é devido. E para vocês que, do alto da vossa pesporrente luso-cacofonia delirante, se permitirem julgar que esta é uma questão de povos eslavos, olhem para o argueiro no vosso próprio olho.
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