O terceiro volume de "As Mil e Uma Noites", de Miguel Gomes (2015), intitulado "O Encantado", fecha muito bem este tríptico, em tom diverso mas retrospectivamente esclarecedor - aliás em sentido um tanto diferente do segundo volume, "O Desolado".
Num filme que é, no seu todo, declaradamente político, é aqui que o cineasta mostra melhor a sua estratégia de olhar para o aparentemente acessório, para as margens para, através dele, delas chamar a atenção dos espectadores para o essencial: os efeitos de um país em crise. Uma estratégia inteligente e que funciona bem, por entre claras alusões avulsas, que se entendem sempre muito bem.
Num filme que é, no seu todo, declaradamente político, é aqui que o cineasta mostra melhor a sua estratégia de olhar para o aparentemente acessório, para as margens para, através dele, delas chamar a atenção dos espectadores para o essencial: os efeitos de um país em crise. Uma estratégia inteligente e que funciona bem, por entre claras alusões avulsas, que se entendem sempre muito bem.
De facto, contra um certo grau de ficcionalização que "O Desolado" implicava, depois de um prólogo que podia ser melhor sobre a própria Sherazade, este "O Encantado" trata em tom documental - tendencialmente documetal em função da maioria dos seus intérpretes, encenado com a participação dos que lhes são exteriores, ao que nada tenho a objectar - dos passarinheiros de Lisboa num capítulo intitulado "O Inebriante Cantar dos Tentilhões", que constitui a sua parte mais importante e mais longa. Pelo meio, há um curto capítulo intitulado "Floresta Quente", em que uma chinesa, que nunca se vê, conta a sua vida em Potugal enquanto é mostrada nas imagens uma manifestação de polícias, e uma manifestação política contra o Governo em que se canta "Grândola" e o hino nacional.
Perante tanto "politicamente correcto", os passarinheiros, as suas histórias e as suas competições dadas em pormenor funcionam como centro agregador mas também de distracção - sem qualquer outra alusão profissional, durante a crise a população continuou a sua vida comum, o que serve como despertar para a realidade com crise e para além dela, e era já era sinalizado contrapontisticamente pelo curto episódio de apicultura no início do primeiro volume, "O Inquieto".
Não sendo, nem querendo parecer ingénuo, numa sucessão de acontecimentos sem história Miguel Gomes acompanha aqui um grupo populacional mal conhecido de que capta e transmite muito bem as práticas e os hábitos, muito característicos e largamente alusivos. Com a ideia de que os passarinheiros existem assim há muito e vão continuar a existir por muito tempo, com crise ou sem ela, sem que ninguém dê por eles e sem incomodarem ninguém.
Para compensar do início equívoco e de circunstância, destinado a estabelecer a narradora no seu papel, no final o cineasta despede-se com uma pirueta cinematográfica, em jeito português de "ora toma e embrulha": as ervas ao vento, uma panorâmica de 360º (lembrem-se quem e quando o fez antes no cinema) e um longuíssimo travelling de acompanhamento do protagonista que caminha - tudo nos quinze minutos finais, o que por mim não era preciso, embora compreenda, e até aplauda, como necessidade de "demarcação de território" cinematográfico.
Com os reincidentes Crista Alfaiate, Carloto Cotta e Gonçalo Waddington, volta a ser Chico Chapas como passarinheiro-guia a dominar o filme, revelando de novo ter sido ele a grande descoberta e criação de Miguel Gomes neste seu tríptico.
Como balanço, só agora possível, discute-se, por exemplo, qual dos três filmes é o melhor - eu sou pelo segundo volume, "O Desolado", apesar da grande qualidade que reconheço aos outros dois. O grande final está no primeiro volume, "O Inquieto" - e percebe-se agora melhor que, com desempregados, nem sequer era excessivo -, enquanto este terceiro volume, "O Encantado", termina em grande em termos formais sobre um homem que caminha só.
Sabe-se que Miguel Gomes trabalhou longamente a montagem final de "As Mil e Uma Noites" e este terceiro volume, "O Encantado", aparenta ser, dos seus três volumes, aquele em que ele terá levado mais longe uma via de compromisso e aquele que, talvez por isso, surge como menos equilibrado (sobre este tríptico, ver "Um caso muito sério - 1", de 4 de Setembro de 2015, e "Um caso muito sério - 2", de 29 de Setembro de 2015).
Não sendo, nem querendo parecer ingénuo, numa sucessão de acontecimentos sem história Miguel Gomes acompanha aqui um grupo populacional mal conhecido de que capta e transmite muito bem as práticas e os hábitos, muito característicos e largamente alusivos. Com a ideia de que os passarinheiros existem assim há muito e vão continuar a existir por muito tempo, com crise ou sem ela, sem que ninguém dê por eles e sem incomodarem ninguém.
Para compensar do início equívoco e de circunstância, destinado a estabelecer a narradora no seu papel, no final o cineasta despede-se com uma pirueta cinematográfica, em jeito português de "ora toma e embrulha": as ervas ao vento, uma panorâmica de 360º (lembrem-se quem e quando o fez antes no cinema) e um longuíssimo travelling de acompanhamento do protagonista que caminha - tudo nos quinze minutos finais, o que por mim não era preciso, embora compreenda, e até aplauda, como necessidade de "demarcação de território" cinematográfico.
Com os reincidentes Crista Alfaiate, Carloto Cotta e Gonçalo Waddington, volta a ser Chico Chapas como passarinheiro-guia a dominar o filme, revelando de novo ter sido ele a grande descoberta e criação de Miguel Gomes neste seu tríptico.
Como balanço, só agora possível, discute-se, por exemplo, qual dos três filmes é o melhor - eu sou pelo segundo volume, "O Desolado", apesar da grande qualidade que reconheço aos outros dois. O grande final está no primeiro volume, "O Inquieto" - e percebe-se agora melhor que, com desempregados, nem sequer era excessivo -, enquanto este terceiro volume, "O Encantado", termina em grande em termos formais sobre um homem que caminha só.
Sabe-se que Miguel Gomes trabalhou longamente a montagem final de "As Mil e Uma Noites" e este terceiro volume, "O Encantado", aparenta ser, dos seus três volumes, aquele em que ele terá levado mais longe uma via de compromisso e aquele que, talvez por isso, surge como menos equilibrado (sobre este tríptico, ver "Um caso muito sério - 1", de 4 de Setembro de 2015, e "Um caso muito sério - 2", de 29 de Setembro de 2015).
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