Com argumento e realização de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza (2013), "Salvo" é um filme sóbrio e muito bem construído sobre um assassino profissional, Salvo/Saleh Bakri, que depois de assassinar um homem se aproxima da irmã dele, Rita/Sara Serraiocco, que é cega e acompanháramos enquanto o assassinato do seu irmão decorria fora de campo. Tudo se passa em Palermo, na actualidade, como somos informados logo no início.
No convívio entre ambos, que começa enquanto ela é cega, e sobretudo quando mais tarde é retomado de forma mais próxima depois de Rita ter recuperado a visão, Salvo vai-se apercebendo de alguma coisa relativamente à sua "profissão" de modo que, quando é intimado pelo seu chefe a liquidar também a irmã do homem anteriormente morto, ele se recusa a fazê-lo. Como sucedera no início, também o combate final decorre fora de campo, a partir da presença de Rita na imagem, no plano.
Muito bem construído sobre o fora de campo sobretudo sonoro, muito bem orquestrado em ruídos, palavras, gritos, em especial nas duas cenas referidas a que não assistimos e apenas temos acesso através dos sons provenientes do fora de campo e dos planos seguintes, o filme de Grassadonia e Piazza mantém uma planificação seca mas diversificada, que cria distância e proximidade segundo as circuntâncias - muito bons os planos em plongé distante, que esmagam e isolam -, e uma excelente fotografia de Daniele Cipri.
A referência a "O Samurai"/Le Samouraï", de Jean Pierre Melville (1967), é clara e bem explorada, de forma inteligente que a assume sem se eximir de relativamente a ela marcar distâncias. Os actores são excelentes em sobriedade expressiva, em especial Saleh Bakri e Sara Serraioco, muito bem como Rita cega e muito bem depois de ela recuperar a visão.
O final em que ela carrega Salvo, ferido, ao longo de um um curso de água remete para o filme de perseguição no cinema americano, e na sua serena ambiguidade o plano final volta a remeter-nos para o som: o ruído das ondas do mar visto ao longe pela janela, o apito de um navio que não se vê. Rimando com a abertura, sobre uma cortina desfocada, o ecrã fecha a negro sobre Salvo de costas e sozinho depois de Rita ter saído do seu lado e do plano.
Sem qualquer tentativa de forçar o aprofundamento psicológico das personagens, apenas a partir do exterior de corpos, comportamentos e acções, e com muito poucos diálogos, "Salvo" é uma filme muito expressivo, inteligente e bem feito, que recomenda Fabio Grassadonia e Antonio Piazza na sua primeira longa-metragem de ficção vista esta semana no Arte.
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