A quinta longa-metragem de Bertrand
Bonello, “Apollonide - Memórias de um Bordel”/”L’Apollonide (Souvenirs de la
maison close)” (2011), vai à procura da "mais antiga profissão do mundo" em Paris
da Belle Époque, assumindo as influências para tanto pertinentes da história do
cinema – Max Ophuls, Luis Buñuel – para se situar do lado delas, para o que o
realizador assume um ponto de vista exterior mas participante.
O
que nos tempos que correm poderia passar por uma exploração grosseira coloca a
questão em imagens e palavras justas e certeiras, sem julgar ninguém mas
mostrando como foi, como era quando as "casas" eram fechadas a partir de um
momento, mostrado no plano final, em que deixaram de haver portas fechadas,
tudo se passa em qualquer lugar. Mas o realizador também recusa o porno-chique
que o tema poderia propiciar, em benefício de um rigoroso retrato de época sem
complacências, mostrando o que dói onde lhes dói a elas, como o encaram também
com naturalidade, como o pagam na carne. A personagem inicial de Madeleine/Alice
Barnole vai servir de fio condutor de uma narrativa que o não quer ser, para
ilustrar o limite a que cada uma das outras está também sujeita, e o regresso
recorrente da sua história está muito bem visto, para que o momento fatal surja
só no fim – depois as lágrimas do sonho dela, Buñuel de passagem,
além da caixinha fechada, mais “Bela de Dia”/”Belle de Jour” (1967) do que “Un Chien Andalou” (1929) em todo o caso.
De
resto o filme é o ambiente fechado habitado por mulheres jovens mais a patroa,
de que só saímos passada uma hora para a paisagem campestre – “O Prazer”/“Le
Plaisir”, de Max Ophuls sobre Guy de Maupassant (1952) – para aí regressarmos
depois, com a câmara sempre no lugar certo para que tudo decorra com a maior
evidência e simplicidade, com candura mas sem especulação, captando a
sensualidade física envolvente, os corpos vestidos e despidos, imóveis e em
movimento, os momentos de convívio em baixo, os de acção em cima (dados em elipse), os momentos de repouso. A vida é dura para todas, cada uma a encara à sua maneira sem
prejuízo de uma proximidade e cumplicidade compreensíveis, mas todas ambicionam
pagar o que devem para saírem dali. Nem os homens, que frequentavam o bordel
para o que em casa ou noutro lado lhes era negado, ou então pelo convívio ou por mera boémia, são hostilizados, pobres criaturas eles como
elas, todos humanos. Embora talvez demasiado contido, o filme assume com muita pertinência a influência da pintura impressionista da segunda metade do século XIX e a de Jean Renoir, nomeadamente do lado plástico e pictórico, mas também na definição física das personagens, e consegue atingir com brio o seu ponto de
equilíbrio próprio. A normalidade da vida comum apenas vai ser interrompida
pela chegada da nova, pela visita do
médico, uma inspecção sanitária que vai trazer àquele meio o elemento
antropológico de época, e depois pela ameaça de fecho da "casa", que pesa sobre a
parte final. Deste modo, até a tentação do melodrama é muito bem evitada, para
o que é decisiva a secura e sensibilidade do registo contido que, contudo, cria
e respeita um tom de nostalgia romântica pelo fim de uma época memorável, que o filme muito bem
reconstitui e preserva. Os interiores são muito bem explorados como espaços (os dois pisos), na luz e
nas cores (com especial destaque para o negro) que conferem um lado pictórico às imagens, os movimentos de câmara e a montagem imprimem ao filme uma suavidade
que se ajusta ao ambiente e às suas habitantes, o split screen é muito bem usado, sempre sem quebrar a ideia de
clausura e sem procurar qualquer tipo de exploração, funcionando antes como resumos ou abreviações.
Além de realizador e
co-produtor, autor também do argumento e da música, que inclui escolhas modernas, Bertrand Bonello
apresenta-se aqui como um cineasta com grandes qualidades – não conheço
os seus filmes anteriores, que não estrearam em Portugal. Estamos, em
“Apollonide - Memórias de um Bordel”, na
viragem do século XIX para o século XX, numa época em que a modernidade, que
também foi marcada por esta realidade em casos bem conhecidos,
já em transição se expande e exprime no seu melhor. Aliás, as prostitutas aqui tratadas são
mulheres como as outras, com problemas semelhantes aos das outras e problemas específicos, embora
seja bom não romantizar – o que este filme justamente não faz -, de que o
cinema tem tratado como personagens em casos superiores, de Josef von Sternberg a John Ford e
Fritz Lang, de Kenji Mizoguchi (“A Rua da Vergonha”/”Akasen Chitai”, 1956) a
Vincente Minnelli e Billy Wilder, de Jean-Luc Godard a Rainer Werner Fassbinder,
de Chantal Akerman a Jean Eustache (indispensáveis, pois libertos do
romantismo anterior), de Arturo
Ripstein a Pedro Almodôvar e sobretudo Hou Hsiao-Hsien (“Flowers of Shangai”,
1998), além dos já referidos.
Sendo sobre prostitutas e prostituição, “Apollonide” conta com actrizes e actores profissionais e não-profissionais notáveis, entre os quais os cineastas Noémie Lvovsky, Xavier Beauvois e Jacques Nolot, e é um filme todo ele construído como uma homenagem ao feminino, à mulher, esse eterno estranho e desconhecido fascinante objecto de desejo para os homens. E a construção do mistério feminino a partir de uma época muito precisa e de documentação sobre ela (por exemplo, as cartas no seu decurso lidas são verdadeiras, o que também acontece com o livro de que são lidos excertos), um mistério que a “mulher que ri” esclarece e comenta, é o maior trunfo do filme, que simultaneamente o distingue e o impõe – um mistério que em parte é fantasma masculino (a boneca, a gueixa) e que a mulher também explora e constrói, o que é precisamente o assunto que o filme muito bem trata e encena, sem escamotear os fantasmas femininos.
Sendo sobre prostitutas e prostituição, “Apollonide” conta com actrizes e actores profissionais e não-profissionais notáveis, entre os quais os cineastas Noémie Lvovsky, Xavier Beauvois e Jacques Nolot, e é um filme todo ele construído como uma homenagem ao feminino, à mulher, esse eterno estranho e desconhecido fascinante objecto de desejo para os homens. E a construção do mistério feminino a partir de uma época muito precisa e de documentação sobre ela (por exemplo, as cartas no seu decurso lidas são verdadeiras, o que também acontece com o livro de que são lidos excertos), um mistério que a “mulher que ri” esclarece e comenta, é o maior trunfo do filme, que simultaneamente o distingue e o impõe – um mistério que em parte é fantasma masculino (a boneca, a gueixa) e que a mulher também explora e constrói, o que é precisamente o assunto que o filme muito bem trata e encena, sem escamotear os fantasmas femininos.
Inequivocamente exploradas, e exploradas em termos de classe, em termos monetários e em termos de liberdade, o que o filme em vez de disfarçar evidencia desde o início no próprio fechamento permanente do seu espaço físico - a casa como habitáculo e dispositivo -, elas recomeçam cada dia para continuarem sempre, iguais a si mesmas, fiéis a si próprias, sabendo como sabem que estão a viver o fim de um tempo, sem saberem, porém, que para elas esse tempo não terá fim e virá a passar por condições muito mais severas - o muito justo plano final.
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ResponderEliminarO seu blog tem o perfil deste trabalho e adoraria poder contar contigo. Caso queria saber as informações basta me enviar um email. Alerto queisso não se trata de um SPAM: tamin@ibooster.es
Beijos e ótima tarde
Taty