De Kelly Reichardt,
de quem conhecíamos “Old Joy” (2006) e “Wendy & Lucy” (2008), estrou entre
nós “O Atalho”/”Meek’s Cutoff” (2010), que é um filme extremamente interessante
e muito bom.
Com argumento de Jonathan Raymond, situa-se nas terras perdidas do Oregon durante o século XIX e acompanha
uma caravana de pioneiros perdida no deserto, entregue primeiro nas mãos de um
guia de que os seus membros desconfiam, Stephen Meek/Bruce Greenwood, depois
nas de um índio/Rod Rodeaux. Para tomarem decisões, os Tetherow, os Galety e os
White têm que discutir entre si e uns com os outros para decidir que rumo
tomar, em quem confiar.
Situado em terras desabitadas,
agrestes e inóspitas, o filme explora muito bem esse mesmo espaço, em que as
personagens surgem frequentemente a grande distância, numa linha
predominantemente horizontal durante a primeira parte do filme, que se torna
mais irregular, montanhosa e rochosa, na segunda parte. Mas Kelly Reichardt é
uma cineasta de grande sabedoria, que explora a distância a que filma em planos
muito gerais com grande acerto, para dar com precisão o desnorte da caravana,
explora o espaço do plano e o espaço fora de campo, utiliza movimentos de
câmara apropriados e elegantes e tem uma grande precisão na iluminação diurna,
que dá lugar a planos de elevada composição visual e pictórica, e nocturna,
em que, à luz da lareira, do candeeiro ou da lua, surpreende com noites
primordiais.
Os conflitos que se repetem, primeiro
com o guia, depois com ele e com o índio, entre ele e o índio, são sempre muito
bem encenados em termos fílmicos, enquanto as personagens estão caracterizadas
com grande rigor nos rostos, no vestuário, nos gestos e movimentos. E são
essas personagens que, ora aproximando-se, ora afastando-se, ora correndo
lateralmente vão definir o quadro humano de um filme de estranha beleza, que
nos prende no seu movimento mínimo desde o primeiro encontro com o índio, na
captura dele, que não é mostrada, na queda pela encosta da carroça que se
solta, no confronto de Emily Tetherow/Michelle Williams com o guia quando este
quer matar o índio.
Sabendo sempre o que e quem filmar,
e de onde filmar, Kelly Reichardt constrói o seu filme com base em pequenos
apontamentos reveladores, em diálogos esclarecedores, como o que discute as
diferenças entre os homens e as mulheres, e em diálogos impossíveis, como os
que são tentados com o índio. Por sua vez, a presença de ruídos, como o das
rodas das carroças, e da escassa mas muito bem utilizada música vem aumentar o
clima de isolamento e solidão de um grupo humano à deriva mas que não deixa de
se mostrar fiel às suas crenças, aos lugares civilizados de que partiu e ao
destino que pretende alcançar.
Produzido num quadro de cinema
independente, “O Atalho” de Kelly Reichardt é um filme de uma enorme beleza na
sua austera gestão dos meios disponíveis e de uma enorme expressividade, que
além do mais reúne os quatro elementos, a terra, o ar, a água, que a caravana
procura, e o fogo, o jovem Jimmy White/Tommy Nelson, os animais e a prodigiosa
paisagem desértica do Oregon. Com um grupo permanentemente ameaçado de um
desnorte que não consegue ultrapassar, apesar de mantidos a maior parte do
tempo à distância da caravana, e por isso mesmo, somos levados a, mantendo sempre a
noção do espaço, apreciar o esforço épico daqueles pioneiros na sua luta
elementar com a natureza e as adversidades, pela sua própria sobrevivência.
Deixados à deriva no final, com a
partida do índio, é o vazio da solidão que os acolhe, e aí somos deixados, na
vasta terra desértica, num muito bem medido movimento de abandono, pessimismo e
sem qualquer comentário, já que as imagens falam por si mesmas. O desespero e a
solidão dados plenamente e em surdina.
No final aberto de "O Atalho" de Kelly Reichardt ressoa o final de "Procurem Abrigo"/"Take Shelter", de Bill Nichols (2011), o que diz bem do enorme interesse destes dois novos nomes maiores do novo cinema independente americano, em cujos filmes a incerteza é um ponto comum de enorme significado (ver " A tempestade", 24 de Maio).
No final aberto de "O Atalho" de Kelly Reichardt ressoa o final de "Procurem Abrigo"/"Take Shelter", de Bill Nichols (2011), o que diz bem do enorme interesse destes dois novos nomes maiores do novo cinema independente americano, em cujos filmes a incerteza é um ponto comum de enorme significado (ver " A tempestade", 24 de Maio).
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