“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um mito das origens

        Inglês de nascimento, Ridley Scott não é um grande cineasta, embora tenha sido na ficção científica que ganhou essa fama, especialmente em "Blade Runner - Perigo Iminente"/"Blade Runner" (1982), que é efectivamente um filme notável, e em "Alien - O 8º Passageiro"/"Alien" (1979), talvez o seu filme mais famoso ainda hoje, com várias sequelas. De resto, os seus filmes fora desse género não têm, em geral, nada de especial, cumprem com correcção e competência, por vezes com interesse localizado, o que significa que ele é um realizador médio de Hollywood com filmes de grande sucesso, como "Gladiador"/"Gladiator" (2000), "Hannibal" e "Cercados"/"Black Hawk Down" (2001), que chamaram a atenção para o seu nome pelos temas respectivos, pela boa realização e pelo sucesso que tiveram. As expectativas subiram com "Prometheus" (2012), falsa prequela de "Alien" e, portanto, filme de ficção científica, ainda para mais em 3D. O resultado é francamente desanimador.
             
       Partindo do mito de Prometeu que, segundo a mitologia grega, depois de ter enganado Zeus lhe terá roubado o fogo, enfrenta um novo mito da ficção científica: o de uma raça extra-terrestre (e obviamente superior), que teria, ela sim, criado o homem. Uma expedição terrestre parte para os encontrar, o que é ponto de partida comum no género. Ora o filme agarra no lado pior de "Alien" e transforma a expedição científica numa experiência paredes-meias com o filme de terror, de que assume o lado mais repulsivo, o que não tem nada de especial, e mais histérico, o que se torna francamente desagradável, até porque é destituído de características humanas e utilizado como mais um ingrediente de um receituário de sucesso, talvez hoje em dia popular.
     Se o início e pretexto narrativo, as gravuras rupestres com 35.000 anos, é promissor, os desenvolvimentos vão de dificuldade em perigo, de problemas no interior da expedição aos problemas com a raça fundadora (e o meio em que ela se move), que depois de ter criado os humanos pretenderá agora (anos 90 do século XXI) destruí-los. Não quero discutir a teoria de base subjacente ao filme, mas o próprio filme, que me surge falso como judas, falso nas emoções que pretende criar e nos meios perfeitamente gratuitos, no limite do grotesco, que utiliza para as criar. Não vou utilizar meias-tintas: há muito mais verdade e emoção no computador HAL 9000 de "2001: Uma Odisseia do Espaço"/"2001 - A Space Odissey", de Stanley Kubrick (1968), do que em qualquer dos humanos deste filme, sempre à beira do risível; o pior filme de John Carpenter (escolham) é sempre infinitamente melhor em termos cinematográficos e éticos do que esta coisa que brinca de maneira rasteira com os sentimentos, as crenças e a eventual boa-fé dos espectadores. Roman Polanski ia muito mais longe de uma maneira muito mais elegante em "A Semente do Diabo"/"Rosemary's Baby" (1968).
                    'Prometheus': Ridley Scott paints corners of 'Alien' canvas
         Não quero especular excessivamente, mas talvez a tentação do 3D convide a que filmes como este sejam feitos e tenham, eventualmente, sucesso, passando como bom divertimento e, se calhar, até como divertimento adulto junto de um público pouco exigente. Percebe-se, aliás, que o cinema americano continua a experimentar esta nova tecnologia, talvez como resposta à crise do próprio cinema originada pela concorrência, aliás desleal, da internet, e que são feitos filmes com esse pretexto para testar as suas possibilidades e limites. Mas mesmo entendido como tal, como mais uma experiência em 3D, "Prometheus" não cumpre um programa narrativo minimamente consistente e coerente, sempre à beira da exploração rasteira dos medos mais primitivos dos espectadores, com permanente recurso a uma exacerbação chocante dos motivos narrativos e visuais que raia a simples demagogia grosseira. Nenhum filme se ganha apenas pelos valores de produção ou pelos efeitos visuais, e este também não. É preciso alguma coisa mais, que este não tem porque rejeita, para evidenciar o aparente arrojo visual, com desprezo e prejuízo de regras elementares que me basta qualificar como de bom senso e bom gosto numa época que tudo se julga  permitido.
          Repito: Ridley Scott não é um grande cineasta, é um realizador de sucesso. O seu melhor filme continua a ser "Blade Runner" e o pior filme de John Carpenter será sempre melhor do que "Prometheus". Ponto final.

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