O canal franco-alemão Arte transmitiu em 15 de Novembro o concerto comemorativo do septuagésimo aniversário de Daniel Barenboim, a que felizmente pude assistir. Trata-se de um grande maestro e pianista, talvez o melhor pianista contemporâneo, conhecido também pela sua importante actividade política em favor da paz no Médio Oriente. Um homem bom e uma pessoa de bem que é, além disso, um músico genial.
Durante este concerto, acompanhado pela Staatskapelle de Berlin, dirigida por Zubin Mehta, o homenageado tocou ao piano o Concerto para piano nº 3 de Beethoven e o Concerto para piano nº 1 de Tchaïkovsky, numa execução absolutamente excepcional, emocionante e memorável. O aniversariante e estas peças para piano aqui me trazem.
Conheço muito bem as duas peças para piano que Barenboim tocou nesta ocasião, não direi de cor, que a minha sensibilidade musical não chega a tanto, mas direi mesmo que conheço de cor certas passagens de ambas. Lembro-me, por assim dizer, das primeiras vezes em que as ouvi, na minha juventude, em discos de vinil. Pela noite dentro, fiz então uma formação musical muito incipiente e sem mestre, guiado em parte pelas escolhas do meu pai, que preferia o violino e o violinista David Oistrakh, mas tomando as iniciativas que a curiosidade me levava a tomar: Bach, Mozart, Beethoven e muitos outros - Tchaïkovsky, Rachmaninov, Prokofiev, etc., etc. Nessa época, em que aprendi a amar a noite por causa da música e do silêncio, a amar o silêncio da noite por causa da música, aprendi também a amar a música e a poesia na noite e no silêncio. Lembro-me de nesse tempo ter começado a definir um gosto musical e de gostar especialmente de "A Sagração da Primavera", de Stravinsky. Mais tarde fizeram-me descobrir as obras para piano, nomeadamente de Beethoven, tocadas por Sviatoslav Ritcher, e por aí desenvolvi muito da minha sensibilidade, educação e preferência musical. Aprofundei os meus conhecimentos e apurei o meu gosto com Schumann, Schubert, Chopin, tocados nomeadamente por Maria João Pires, Grieg, Mahler, Alban Berg, Schönberg, Stockhausen. Sem ter grandemente tempo para assistir a concertos, ouvia e ouço música enquanto trabalho e pela noite dentro.
Hoje estou num regresso a Bach, em especial o da "Arte da Fuga", que é o culminar de uma obra genial extremamente marcante, embora Beethoven, o mesmo Ludwig van de "A Laranja Mecânica"/"A Clockwork Orange", de Stanley Kubrick (1971), e "Elephant", de Gus Van Sant (2003), continue a ser o meu favorito - me continue a perseguir, a desafiar e a encantar. Considero a música a mais pura das artes, a que por vezes comparo a poesia, reconhecendo embora que a música pode prescindir da palavra, a que terá sido historicamente anterior. Quando tocada por grandes intérpretes, continua a fascinar-me no seu repertório clássico e no seu repertório moderno. A emoção musical é única e insubstituível, e continuo a ser-lhe muito sensível, também como expressão de sabedoria.
Agora Daniel Barenboim é um autêntico prodígio como maestro e pianista, um homem com pleno domínio de cada compositor, de cada composição, e com uma execução que é uma verdadeira interpretação criadora. Nas notas mais suaves, mais leves, nos acordes mais fortes, retumbantes, nas transições e nas modulações é toda uma arte musical que se impõe na subtileza, no detalhe como no todo, de que é permanentemente senhor. Fulgurante e pleno. Desejo-lhe as maiores felicidades pessoais e em todas as suas actividades neste seu aniversário. E atenção porque o Arte vai insistir em Beethoven e Barenboim nos próximos dias.
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