Iniciada em 1962, com “Dr. No”, de
Terence Young e com Sean Connery, a saga no cinema de James Bond, a personagem
criada por Ian Fleming em 1952, atingiu este ano 50 anos com a estreia de
“Skyfall”, de Sam Mendes e com Daniel Craig. O tempo passa para todos, e também
para o agente 007, cujas aventuras no cinema percorreram um longo e vário caminho ao longo destas 5 décadas, sem que a personagem tenha
perdido a sua popularidade e o seu carisma apesar das diversas mãos por que
passou. Eu explico-me sumariamente.
O
James Bond original no cinema foi um achado que marcou uma época em grande
parte devido ao actor que então se revelava, mas em larga medida também devido
ao realizador dos dois primeiros filmes e do quarto, Terence Young, um cineasta
hábil e generoso que soube tirar da personagem e das suas aventuras no mundo da
espionagem o melhor partido. Por sua vez, Sean Connery foi James Bond em 6
filmes mais 1: “007 – Agente Secreto”/“Dr. No” (1962) e “007 - Ordem para
Matar”/“From Russia with Love” (1963), ambos de Terence Young, “007 – Contra
Goldfinger”/“Goldfinger” (1964) de Guy Hamilton, “007 – Operação Relâmpago”/“Thunderball”
(1965), de novo de Terence Young, “007 – Só Se Vive Duas Vezes”/“You Only Live
Twice” (1967), de Lewis Gilbert, “007 – Os Diamantes São Eternos”/“Diamond are
Forever” (1971), de Guy Hamilton, e “Nunca Mais Digas Nunca”/”Never Say Never
Again” (1983), de Irving Kershner – este fora da série oficial, como o tinha
sido um “Casino Royale” (1967) co-dirigido por vários realizadores, entre os
quais John Huston, com, entre outros, Peter Sellers, David Niven, Ursula Andress e Orson Welles. Depois os filmes passaram para as mãos de outros
realizadores menos hábeis, para actores sem o carisma e a classe do
original. Digo-o com todas as letras: Bond decaiu quando interpretado por um péssimo
George Lazenby, em “007 – Ao Serviço de Sua Mejestade”/”On Her Majesty’s Secret
Service” (1969), de Peter R. Hunt, ou por um actor menor, embora com certo
charme, como foi Roger Moore - “007 -
Vive e Deixa Morrer”/”Live and Let Die” (1973) e “007 - O Homem da Pistola
Dourada”/”The Man with the Golden Gun” (1974), ambos de Guy Hamilton, “007 – Agente
Irresistível”/”The Spy who Loved Me” (1977) e “007 – Aventura no
Espaço”/”Moonraker” (1979), ambos de Lewis Gilbert, “007 – Missão Ultra-Secreta”/
“For Your Eyes Only” (1981), “007 – Operação Tentáculo”/Octopussy” (1983) e
“007 – Alvo em Movimento”/”A View to a Kill” (1985), os três de John Glen, que
também dirigiu “007 – Risco Imediato”/”The Living Daylights” (1987) e “007 –
Licença para Matar”/”Licence to Kill” (1989), ambos com Timothy Dalton - e só
ressurgiu quando a personagem foi confiada de novo a actores com outras, melhores qualidades,
como Pierce Brosnan primeiro - 4 vezes, em “GoldenEye” (1995), de Martin Campbell, “007
– O Amanhã Nunca Morre”/“Tomorrow Never Dies” (1997), de Roger Spottiswood, “007
- O Mundo Não Chega”/“The World Is Not Enough” (1999), de Michael Apted, e “007
– Morre Noutro Dia”/“Die Another Day” (2002), de Lee Tamahori - e Daniel Craig depois -
3 vezes até hoje, em “Casino Royal” (2006), de Martin Campbell, “Quantum of
Solace” (2008), de Marc Foster, e agora
“Skyfall” (2012), de Sam Mendes.
Sam
Mendes pode não parecer a escolha mais evidente para dirigir “Skyfall”, mas o
certo é que ele se sai muito bem na arquitectura visual de uma aventura
diversificada e fascinante, em que o próprio inimigo sai das fileiras do MI6. Isto merece
algumas palavras.
Ficaram
conhecidas as Bond girls, que fizeram
parte do encanto dos primeiros filmes, e uma imagem de marca da série no
primeiro filme é a saída de Ursula Andress das ondas do mar para a praia. E esse
lado desvaneceu-se bastante nos últimos filmes. Um outro, e crucial,
ponto forte dos Bond-filmes foram, desde o início, as cenas de acção, e aí ficou justamente célebre a luta no comboio em
”From Russia with Love”. Neste aspecto, os últimos filmes, e em especial este
último, mantêm essa tradição. Isto faz, contudo, pensar, na personagem do mau, ou do super-vilão, do adversário de James Bond, que nos primeiros
filmes foi sempre muito bom – Joseph Wiseman, Lotte Lenya e Robert Shaw,
Gerd Frobe, Adolfo Celi - e que nos dois últimos foi confiado de novo a grandes
actores, Mathieu Amalric e agora Javier Bardem.
Mas
será preciso chamar também, e de modo especial, a atenção para as diferenças entre os actores principais,
um Sean Connery sempre seguro de si e que transmitia confiança, um Pierce
Brosnan flleumático e vigilante e um Daniel Craig mais inseguro, menos
afirmativo na aparência, aqui especialmente fragilizado, mas que vem sempre a
tomar conta das situações, de que está sempre à altura. Depois há as figuras
acessórias mas indispensáveis: de M, que começou por ser entregue a Bernard Lee
e que em “Skyfall” Dame Judi Dench interpreta pela última vez, enquanto o
próximo, Ralph Fiennes, é apresentado; de Q, agora um muito jovem especialista
em jogos e outros gadgets informáticos; e da secretária Moneypenny, que aqui surge apenas no final.
Em
“Skyfall” há grandes momentos de acção logo desde o início, com a perseguição
em Istambul que acaba num comboio, numa possível alusão a “From Russia with
Love”, a passagem por Shanghai e Macau, onde o adversário se revela – e a sua
aparição é um bom momento de cinema -, depois em Londres, em que avulta uma
muito bem encenada perseguição no metro, para tudo terminar para todos em
Skyfall, onde o mau, Silva, morre à mãos de Bond e M nos braços deste – muito
bem Judi Dench.
Um
filme de James Bond não pode ser avaliado apenas em função de critérios gerais,
embora mesmo perante esses critérios “Skyfall” tenha momentos muito bons, já
que é toda a mitologia da personagem que está em causa e é em função dela que
cada filme deve ser também visto. Nesta dupla medida, há que reconhecer que
este último James Bond, de cinquentenário, é um bom filme de acção e melodrama,
que consegue superar-se em benefício da acção trágica que nele acaba por prevalecer.
Eu, que nunca fui especial admirador dos filmes de Sam Mendes, passarei agora a
olhá-los de outra maneira. Quanto a Daniel Craig, o novo ar de irrisão que ele
aqui traz ao protagonista assegura bem o lado trágico do filme e assinala, sem dúvida, um
momento importante nesta saga. Por último, a presença no argumento de John Logan, que já
trabalhou com Ridley Scott, Martin Scorsese e Tim Burton, é talvez responsável
pela qualidade invulgar deste último Bond-filme a nível narrativo – uma presença
que se anuncia ser para prosseguir nos próximos filmes - e a canção de Adele fica-lhe muito bem.
"Skyfall" é, portanto e em conclusão, o melhor dos últimos filmes de James Bond e está inteiramente à altura do cinquentenário que comemora.
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