A quarta longa-metragem, terceira para cinema, de Mathieu Amalric, "Tournée - Em Digressão"/"Tournée" (2010), é um filme inspirado e muito bom, em que o conhecido actor francês assume de novo a realização com brio e felicidade, permanecendo presente como actor.
Acompanhando a digressão do New Burlesque e do seu empresário, Joachim Zand/Mathieu Amalric, o filme percorre a França a que ele assim consegue regressar, por entre números avulsos do espectáculo, questões de bastidores e a vida que o próprio empresário vai reencontrando em conflito: o irmão, a mulher, os filhos. Não há drama, nem sequer melodrama, mas pequenos apontamentos soltos que, eivados de humor e melancolia, dão a vida da troupe e do seu problemático empresário, sempre em perda.
Dessa forma, "Tournée - Em Digressão" dedica-se àquilo que interessa Amalric, as mulheres da troupe, que ele segue como realizador e que o seguem como actor. O ar descontraído e anti-convencional que ele confere ao seu filme dá-lhe o tom justo em termos fílmicos e em termos humanos, sem cair na lamechice, o que a personagem de Joachim evita muito bem, nem edulcorar as personagens ou as situações.
Assim, por este filme passa um tom de amor pela vida, pelo espectáculo e, sobretudo, pelas mulheres que constitui a sua marca característica, com o que isso possa envolver de conflito com outros(as) franceses(as) atendendo à relativa excentricidade quer do espectáculo quer da vida que as suas intérpretes e o seu empresário levam. Um fascínio muito particular emana daí, resultante da generosidade interessada do cineasta/actor que, sem se perder em escusadas questões formais, vai directo ao que lhe interessa e que ele, na sua dupla qualidade, sabe muito bem o que é.
Numa lógica que faz pensar em John Cassavetes, Mathieu Amalric não perde nunca uma noção precisa do espaço e das suas personagens, sem que para tal tenha que enveredar pelo grande espectáculo cinematográfico ou de realização, antes mantendo-se sempre atento ao que interessa mostrar, ao que é relevante dizer daquele espectáculo e das suas descontraídas, sentimentais e belas intérpretes. Tanta concentração nelas conduz por vezes a um tom felliniano, o que é explicado pela grande atenção que no filme, como realizador e actor ele dedica ao espectáculo que são as próprias mulheres do New Burlesque, observadas na intimidade e em proximidade.
Mantendo sempre o interesse visual e sonoro, "Tounée - Em Digressão" acaba por interessar também por uma narrativa sem pontos de grande peso dramático, entre o humor e a irrisão, que por isso não cansa, antes mantém o espectador alerta. A troupe nunca chegará a Paris, mas o espectáculo tem de continuar, sempre na estrada, até ao mar, onde termina o filme sobre a solidão e o vazio. Sem carregar as tintas, sempre em tom justo, com mulheres entre a beleza e o humor, o que faz com que não se pareça com nada no cinema francês - talvez "French Cancan", de Jean Renoir (1954), embora aqui as intérpretes se encenem a si próprias. O prémio para a mise en scène que recebeu em Cannes veio reconhecer o seu indiscutível mérito.
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