“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O melhor de sempre

     A selecção dos melhores filmes de sempre promovida pela revista inglesa Sight & Sound foi, pela primeira vez, encabeçada por "A Mulher Que Viveu Duas Vezes"/"Vertigo", de Alfred Hitchcock (1958) - ver Sight & Sound de Setembro de 2012 (vol. 22, nº 9). Estas escolhas são importantes, na medida em que quem foi convidado a participar nesta votação conhece, ou tem a obrigação de conhecer extensivamente a história do cinema, e nestas circunstâncias, como é natural, cada um escolhe mesmo os filmes de que gosta mais. E a vitória do filme de Hitchcock foi por grande margem, e portanto inequívoca.
     Devo dizer que este resultado me satisfaz muito, pois considero o cineasta um dos melhores de toda a história do cinema e o eleito o seu melhor filme (ver o meu "O Cinema de Alfred Hitchcock", Porto, Afrontamento, 1985). Porquê? Porque é um filme sobre a encenação, sobre o poder da encenação e a sua dupla execução, primeiro para o protagonista, depois feita por ele. Trata-se no fundo de um filme sobre o próprio cinema, o seu enigma e o seu poder de engano e sedução, e sobre o estabelecimento de uma crença. "Vertigo" é um filme sobre o espectador na primeira parte, como "A Janela Indiscreta"/"Rear Window" (1954) já o era, e um filme sobre o realizador e a realização como encenação na segunda. Mas sendo um filme sobre o cinema é também um filme sobre o conhecimento e os seus limites, sobre o ser humano e as suas armadilhas, sobre a paixão e os seus mecanismos, o que tudo junto o torna um filme perfeito, mais que perfeito: o melhor de sempre - melhor do que ele não é possível.
                     File:Vertigo 1958 trailer embrace.jpg
      Mas além destas características gerais, aquela é a quinta-essência de Hitchcock, o filme em que ele, como reconhece Gilles Deleuze, cumpre superiormente a imagem mental ou imagem-relação ao incluir o espectador no filme e ao fazer do protagonista espectador, e, desse modo, precipita a crise da imagem-acção e põe em causa a própria Imagem-Movimento. Contudo, é preciso perceber que onde aqui Hitchcock aparentemente se contraria é num cepticismo, num desespero fundamental, de que a sua obra anterior não faria suspeitar, mas que vai ter continuação nas obras-primas dos anos 60, nomeadamente em "Os Pássaros"/"The Birds" (1963), ainda melhor porque uma súmula, mais abstracto, enigmático e desesperado.
      As restantes escolhas não me surpreendem, nem devem surpreender ninguém que conheça razoavelmente o história do cinema. Nem os melhores 10, nem os melhores 100 filmes, nem os 25 melhores realizadores. Parecem-me escolhas razoáveis dentro de um panorama muito vasto e diversificado, perante o qual a escolha dos 10 melhores filmes esbarra sempre com a ideia estarrecedora de tudo aquilo que, por causa dela, dela terá de ficar excluído.
                    
       Partilhei aqui uma escolha pessoal feita para o centenário do cinema (ver "Aos meus amores", 11 de Julho de 2012) e quero, por isso, deixar aqui, neste ano do triunfo de um filme indiscutível, a minha lista actual dos 10 melhores filmes de sempre:
1º. A Desaparecida ("The Searchers"), de John Ford (1956);
2º. A Regra do Jogo ("La Règle du Jeu"), de Jean Renoir (1939);
3º. O Mundo a seus pés ("Citizen Kane"), de Orson Welles" (1941);
4º. A Mulher Que Viveu Duas Vezes ("Vertigo"), de Alfred Hitchcock (1958);
5º. A Aventura ("L'avventura"), de Michelangelo Antonioni (1960);
6º. A Máscara ("Persona"), de Ingmar Bergman" (1966);
7º. A Brighter Summer Day ("Gu ling jie shao nian sha ren shi jian"), de Edward Yang (1991);
8º. Aves de Rapina ("Greed"), de Eric von Stroheim (1923-1925);
9º. O Homem da Cãmara de Filmar ("Chelovek s kinoapparatom"), de Dziga Verov (1929);
10º. Metropolis, de Fritz Lang (1927).
        Os filmes de Edward Yang e Fritz Lang entram aqui por mérito próprio, nas suas versões originais agora recuperadas e restauradas, e também como chamada de atenção para esta questão da versão original do realizador, que continuo a considerar fundamental no cinema. O filme do segundo sinaliza também que não considero o cineasta inferior a qualquer um dos outros mencionados. E, mesmo assim, aqui sou eu que fico estarrecido com o que deixo ficar de fora.

1 comentário:

  1. Boas, gostava de te convidar a participares numa "coisa", por enquanto em segredo, pelo que queria me fornecesses um endereço de e-mail teu de forma a poder contactar-te. Podes respondes para o e-mail de contacto do Caminho Largo. Obrigado.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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