Tenho um apreço muito especial pela actriz francesa Sandrine Bonnaire, homenageada esta semana no canal cultural franco-alemão Arte depois dos ciclos que dedicou a Alfred Hitchcok e Luis Buñuel. O filme interpretado por ela que foi mostrado, que me lembre pela segunda vez, embora seja muito bom é inédito comercialmente em Portugal : "Un coeur simple", de Marion Laine (2008), inspirado no conto homónimo de Gustave Flaubert.
Neste
filme ela interpreta com grande sabedoria Félicité, a criada de uma
senhora do século XIX, e toda a sua arte pessoal de actriz se concentra
na relação entre as mãos, sempre ocupadas, e os olhos, vaguentes num olhar
impreciso mas sempre eloquente no que sem palavras diz.
Sandrine Bonnaire é uma criação de Maurice Pialat em "Aos Nossos Amores"/"À nos amours" (1983), filme que a revelou e descobriu de um realizador com quem voltou a trabalhar em "Police" (1985) e "Ao Sol de Satanás"/"Sous le soleil de Satan" (1987), baseado em Georges Bernanos, em que foi Mouchette. Mas foi Agnès Varda em "Sem Eira Nem Beira"/"Sans toit ni loi" quem viu bem nela a inocência selvagem, de animal ferido, que, vinda de Pialat, Jacques Rivette explorou em "Joana d'Arc, a Donzela: As Batalhas"/"Jeanne la Pucelle I - Les batailles" e "Joana d'Arc, a Donzela: As Prisões"/"Jeanne la Pucelle II - Les prisons" (1994) e Claude Chabrol trabalhou em "A Cerimónia"/"La cérimonie" (1995), em que contracena com Isabelle Huppert, e em "No Coração da Mentira"/"Au coeur du mensonge" (1999), posterior a "Secret défense" (1998) em que voltou a trabalhar com Rivette.
Em "Un coeur simple" podemos admirar de novo a sua arte e a sua beleza singular ao contracenar com Marina Foïs no papel da senhora, na devoção que Félicité dedica a tudo o que faz e no amor por todos com quem trabalha, dos trabalhos mais humildes aos de maior responsabilidade e confiança, imprimindo à personagem uma marca pessoal que advém da sua simples presença, olhos frequentemente baixos ou suplicantes como compete a uma serva, mas uma presença que se sente mesmo quando ela está fora de campo ou nos planos em que ela não entra.
Desconheço a sorte crítica deste filme em França, mas por ele pude retomar contacto com uma grande actriz francesa que aprecio, apenas três anos mais nova do que Juliette Binoche mas que já deixou uma marca indelével no cinema francês - dirigiu mesmo um documentário sobre a sua irmã, autista, "Elle s'appelle Sabine" (2007), e uma longa-metragem de ficção, "J'enrage de son absense" (2012).
O cinema tem destas coisas, como uma grande actriz, que exigem atenção e gosto mas valem muito a pena. Com Catherine Deneuve, Isabelle Huppert e Juliette Binoche, Sandrine Bonnaire é a minha quarta dama do cinema francês numa pessoal política das actrizes. A matar um porco, na praia, a depenar uma galinha, a lavar a filha morta da sua patroa, na ternura e na exasperação, como que espantada por existir ela é comovente, extraordinária em "Un coeur simple".
Nota
Sobre Gustave Flaubert é neste momento fundamental "Flaubert's Parrot"/"O Papagaio de Flaubert", de Julian Barnes (edição portuguesa Quetzal, Lisboa, 2010).
Nota
Sobre Gustave Flaubert é neste momento fundamental "Flaubert's Parrot"/"O Papagaio de Flaubert", de Julian Barnes (edição portuguesa Quetzal, Lisboa, 2010).
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