“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 20 de julho de 2013

O amor, a morte

        "A Batalha de Tabatô" (2013) é a primeira longa-metragem de ficção de João Viana, de quem não conheço os trabalhos anteriores. Filmado na Guiné-Bissau com actores locais, o filme recorda a guerra de libertação contra o colonizador português que ali decorreu antes da independência do país, mas refere também a grande instabilidade que este tem vivido nos últimos anos.  
                      http://www.berlinale.de/media/filmstills/2013_2/forum_9/20131418_1_IMG_543x305.jpg     
        Devo, contudo, dizer desde já que este filme, a preto e branco com esporádicos momentos a cores, sobretudo no final, se impõe desde o seu início por uma grande qualidade visual e uma realização serena e muito boa, com grande apuro na escala dos planos, na profundidade de campo, na exploração das linhas horizontais da paisagem - portanto, no tratamento do espaço. Sem precipitações nem fantasmas pessoais a exorcizar, João Viana centra na personagem mais velha, que vai assistir ao casamento da filha, a memória contraditória da guerra, com os seus fantasmas pessoais, acabando por substituir um ritual matrimonial por um ritual fúnebre. O amor, a morte.
     Tirando o melhor partido de uma situação minimal mas que implica um percurso físico, o cineasta filma as suas personagens com desassombrada admiração pela sua beleza física inscrita na beleza da paisagem, com cada plano a durar o tempo necessário para conferir a "A Batalha de Tabatô" um tom encantatório, de melopeia, que a música abertamente vem culminar no final. Feito com escassos recursos, quase que não se sente essa escassez, notória apenas no sistemático recurso ao plano fixo, que até pode passar por opção estética do realizador.      
                     
        No envolvimento encantatório que o filme cria somos levados a visitar na actualidade um povo muito antigo que sabe que o futuro nasce do passado - o que, embora hoje em dia pouco comum, é sabedoria antiga e universal -, um povo que aqui assume traços concretos que o mostram a viver apoiado nas suas memórias e tradições, transmitidas de geração em geração, apesar das dificuldades do presente e para as enfrentar. João Viana é, manifestamente, um realizador com um domínio assinalável da linguagem do cinema, com coisas novas, importantes e interessantes para fazer, para dizer, pelo que este é um filme a saudar e o seu um nome a reter no cinema português.
     "A Batalha de Tabatô" é um filme muito bom e muito diferente da banalidade e boçalidade audiovisual em que vivemos submersos, um filme que, deslocando-se no espaço para um espaço pouco frequentado pelo cinema, ao mostrar com originalidade e contra o lugar-comum, revela.

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