Depois de 5 anos de silêncio, estreou agora o novo filme de Brian De Palma, "Paixão"/"Passion", 2012, em que o cineasta regressa a personagens femininas duplicadas, que tinham assinalado a parte inicial da sua obra, feita sob a influência declarada de Alfred Hitchcock, e "Mulher Fatal/"Femme Fatale", 2002 (ver "Fatalidades", 17 de Março de 2012). Desde o seu início fascinado pelas personagens femininas na sua duplicidade, o cineasta neste seu mais recente filme triplica-as, mantendo numa delas a duplicidade através da figura da geminação.
É para mim ingrato escrever sobre este filme porque ele se baseia num filme francês anterior, "Crime d'amour", de Alain Corneau (2010), que nunca estreou em Portugal e não conheço, e porque considero que De Palma aqui se repete, em parte parodia, sem frescura nem grande novidade. Christine/Rachel McAdams, loira, é directora de uma empresa que trabalha na área da imagem na Alemanha, Isabelle James/Noomi Rapace, morena, trabalha como criativa nessa mesma empresa e tem, por sua vez, como assistente Dani/Karoline Herfurth, ruiva. A relação de rivalidade profissional entre as duas primeiras é agravada por partilharem o mesmo amante, Dirk/Paul Anderson, que trabalha para a mesma empresa e dela tem retirado proveitos ilícitos.
Numa primeira aproximação, parecem-me mulheres a mais num filme de um cineasta que se notabilizou quanto a elas pela duplicação de uma só, e essa proliferação de mulheres com escassez de personagens masculinas - há o director da empresa-mãe e depois os polícias - embora surja a favor dos tempos actuais, em vez de beneficiar cria um certo desequilíbrio. Também os súbitos, repetidos despertares de Isabelle se revelam de utilidade duvidosa para a personagem e para a narrativa até ao fim, pois sugerem um sonho que, contrariamente ao que sucedia em "Mulher Fatal", afinal não haverá, e por isso confundem inutilmente, devendo ser antes interpretados do lado da instabilidade e da imprevisibilidade da personagem.
Há, mesmo assim, duas coisas que me interessam neste filme. A primeira é a ideia de jogo que acaba por prevalecer na narrativa e na relação entre as suas personagens, e a segunda é o prosseguimento da reflexão sobre a imagem, que vem de "Mulher Fatal" e de "Censurado"/"Redacted" (2007), na linha de filmes anteriores, e aqui se manifesta em filmes, vídeos publicitário e caseiro, com a circulação do primeiro no youtube, além da composição da cena do primeiro assassinato em split screen. Ressalvadas estas duas questões, sente-se que o cineasta se acomoda aqui à sua própria fama, a que este filme, com essas duas ressalvas, pouco ou nada parece acrescentar.
Sob a aparência de confusão, pode, contudo, fazer sentido o estado de Isabelle entre o sono e a vigília, passível de ser relacionado com o regresso final de Christine sob a forma da sua gémea, reencarnação como punição na forma de repetição, à maneira platónica, o que poderá transformar um filme aparentemente banal num filme culto e não deve ser ignorado. Aí poderá residir mesmo o sentido mais profundo de "Paixão", o que, mesmo se rebuscado, pode mostrar que as aparências são mais do que aquilo que aparentam ser neste filme, desse modo só aparentemente confuso mas em todo o caso demasiado demonstrativo, esquemático, de um cineasta que não tem nada de ingenuidade e em cuja obra abundam as referências cultas.
Deve, apesar de tudo, argumentar-se que De Palma é ainda o típico cineasta pós-moderno pelo lado da reflexão sobre a imagem (e o som em "Blow Out" - Explosão"/"Blow Out", 1981), o que deve ser ponderado em seu favor mesmo se a sua inicial colocação sob a égide de Hitchcock, de que se tornou um epígono inevitavelmente inferior, lhe trouxe mais prejuízo do que benefícios. Mas justamente num mundo em que tudo passa pela imagem, ao ponto de quase sermos levados a acreditar que tudo é imagem, um cineasta como ele, que até tem uma temática própria e um estilo a que às vezes apetece chamar "maneirista", e um filme como este não são de desprezar nos tempos que correm.
Deve, apesar de tudo, argumentar-se que De Palma é ainda o típico cineasta pós-moderno pelo lado da reflexão sobre a imagem (e o som em "Blow Out" - Explosão"/"Blow Out", 1981), o que deve ser ponderado em seu favor mesmo se a sua inicial colocação sob a égide de Hitchcock, de que se tornou um epígono inevitavelmente inferior, lhe trouxe mais prejuízo do que benefícios. Mas justamente num mundo em que tudo passa pela imagem, ao ponto de quase sermos levados a acreditar que tudo é imagem, um cineasta como ele, que até tem uma temática própria e um estilo a que às vezes apetece chamar "maneirista", e um filme como este não são de desprezar nos tempos que correm.
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